Vigilância no trabalho na era 4.0

Opinião de José Marcelino, consultor da Michael Page Finance and Human Resourses.

Nos últimos anos, tem-se assistido a um aumento na proliferação de novos meios eletrónicos de vigilância do local de trabalho, que são cada vez mais adotados pelos empregadores, e que tornam este tema de extrema relevância atual.

A possibilidade de rastrear os movimentos dos colaboradores, registar as suas conversas, analisar o seu desempenho em tempo real e utilizar informações biométricas para controlar a identidade e o acesso, são alguns dos exemplos. A maioria das discussões nesta área, aborda os direitos dos trabalhadores, dado que todos temos direito à privacidade mesmo quando estamos a trabalhar, e a necessidade de evitar a discriminação 4.0.

O desenvolvimento de novas tecnologias de vigilância permitiu aumentar a capacidade das empresas na monitorização dos seus empregados, o que levanta questões relacionadas com a privacidade, aumento da invasão dos empregados e discriminação.

De acordo com um estudo realizado pela britânica TUC – Changing the World of Work for Good, a vigilância é quase tão antiga quanto o próprio trabalho, mas as novas técnicas representam uma ameaça crescente de um tipo diferente de trabalhadores e sindicatos.
Se olharmos para as diversas formas utilizadas pelas grandes empresas para controlarem os seus funcionários, através da tecnologia, o Big Business parece estar a tornar-se rapidamente no Big Brother.

Os recentes desenvolvimentos tecnológicos em várias áreas, que incluem análises de big data, monitorização de comunicações, testes biométricos e de DNA, aumentaram significativamente as capacidades de vigilância dos trabalhadores não só dentro como fora das organizações.

Entre as formas de vigilância mais sofisticadas, incluem-se o software de reconhecimento facial para monitorizar a expressão e humor das equipas quando trabalham, a rastreabilidade de localização em veículos da empresa, computadores ou telefones, verificações de segurança e bagagem ao entrar e sair do local de trabalho, utilização de cartões de acesso para monitorizar e registar a localização dos funcionários num determinado sítio da empresa e o tempo despendido, ou a utilização de dispositivos móveis e portáteis para monitorizar a localização e os movimentos dos funcionários no local de trabalho.

No entanto, quando a monitorização do local de trabalho é justificada e realizada de maneira justa, pode proteger a saúde, a segurança e evitar a discriminação dos trabalhadores, além de melhorar as práticas comerciais. Quando utilizada de forma inadequada ou imprópria, torna-se sintomático a falta de confiança do empregador na equipa, o que, por sua vez, pode conduzir à desmoralização e criar desconforto no ambiente de trabalho. A vigilância excessiva também pode ser intrusiva e interferir nos direitos básicos das pessoas à privacidade e à dignidade no trabalho.

No ano passado, estudos do Gartner revelaram que mais de 50% das 239 grandes empresas pesquisadas nos EUA utilizavam técnicas de monitorização “não tradicionais”, incluindo o exame minucioso de quem está se está a encontrar com quem; analisar o texto de e-mails e mensagens de social media; examinar conversas telefónicas, reunir dados genéticos, entre outros, prevendo-se que esse número de ações de vigilância aumente nos próximos anos. Curiosamente, estudos demonstraram também uma certa apatia por parte dos empregados relativamente à questão da vigilância e uma aceitação global da força de trabalho. Se, há uns anos, a Gartner descobriu que apenas 10% dos funcionários estavam confortáveis com a rastreabilidade de dados pessoais realizadas pela empresa a que pertenciam, em 2018 essa percentagem subiu 30%, e aumenta para 50% quando as organizações explicam o motivo pelo qual exercem a vigilância.

Uma das razões dessa aceitação pode estar no facto de se viver uma certa “dessensibilização digital”, especialmente no caso dos millenials, uma geração que cresceu no digital e representa atualmente uma fatia interessante do mercado de trabalho.
A preocupação radica, essencialmente, no perigo da vigilância não regulamentada que possa levar a um aumento da discriminação nas organizações, uma situação que está protegida pela lei de proteção de dados, recentemente reforçada pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR), o qual coloca limites significativos sobre quando e como os empregadores devem usar as novas tecnologias para monitorizar os seus funcionários no local de trabalho.

É um facto que a vigilância acontece agora nas empresas, prevendo-se que continue a aumentar. Os trabalhadores podem gostar, ou não. Por isso, garantir que as tecnologias sejam introduzidas com o consentimento dos trabalhadores, pode contribuir para maior harmonização das equipas no local de trabalho.