Bootcamps. Outra porta para entrar no mundo da tecnologia

DR

Em nove semanas é possível aprender as bases de uma nova profissão na área das tecnologias de informação e fazer mudanças de vida e profissionais de 180º.

Ana, Kika, Frederico e Jhonatas podem ter percursos profissionais bastantes díspares, mas têm pelo menos uma coisa em comum: mudaram de profissão para o setor da tecnologia através de um bootcamp tecnológico.

Ao longo dos últimos anos, o mercado português tem recebido este tipo de opções de aprendizagem em que, durante um determinado período de tempo, é possível fazer uma formação intensiva numa área específica das TI. A Ironhack, escola de tecnologia que chegou a Portugal no final de 2018, é uma das empresas que disponibilizam bootcamps de formação, onde é possível aprender desde programação até UX/UI Design.

Frederico Villaret, 38 anos, trabalhou 11 anos como gestor de cinemas e foi a vida familiar que o fez mudar de trabalho. Com filhos gémeos, decidiu fazer uma pausa para passar mais tempo com as crianças. Quando voltou ao trabalho percebeu que era tempo de mudar. “O mundo onde estive durante 11 anos é cansativo fisicamente, teve um impacto na família, até que chegou a uma altura em que achei que já não era possível continuar.”

Começou a pesquisar e, pouco tempo depois do nascimento do terceiro filho, enveredou pelo bootcamp de UX/UI Design, em maio de 2019. Já tinha tido a experiência da vida militar, mas refere que “sofreu mais neste bootcamp, não na parte física, mas sim, na exaustão diária. Não é de todo limitado ao espaço de tempo definido, porque se for só das 9 às 18h não vai funcionar, porque é muito intenso”, explica. Hoje em dia trabalha como UX/UI designer na consultora Waeg. “Foi a melhor decisão da minha vida em termos profissionais, não tenho a menor dúvida.”

Também Kika Barreto, 27 anos, passou pelo bootcamp de UX/UI Design. Atualmente trabalha como UX researcher na Tangível, onde refere que pode conjugar a formação em Antropologia e o mundo tecnológico. “Embora tenha coisas muito diferentes vejo uma linha de continuidade muito clara no meu percurso”, explica. “Sou luso-brasileira, a minha família é quase nómada.” Filha de pai diplomata, aos 15 anos já tinha mudado de país cinco vezes. Foi assim que começou o interesse pelas questões culturais.

Na faculdade passou primeiro pela Ciência Política e só no mestrado pela Antropologia. Foi numa conferência que percebeu que havia mais pontos comuns entre a antropologia e a tecnologia do que seria de esperar.”Fiz o bootcamp e foi a melhor experiência da minha vida profissional e académica até agora. Aprendi muita coisa, mas não senti que mudei drasticamente de área. Senti uma continuidade.” Como investigadora na área da experiência de utilizador diz que pode juntar os dois mundos e perceber a interação entre humanos e a tecnologia.

Tendo passado por vários países, Kika Barreto não rejeita a hipótese de trabalhar em projetos internacionais, mas há uma lição que tira da pandemia: “Com o trabalho remoto, hoje em dia já não é obrigatório mudar completamente de país para ter uma experiência internacional.”

Bootcamps em pandemia

Com a chegada do estado de emergência, em março, também a Ironhack teve de adaptar os bootcamps ao ambiente remoto. Ana Almeida e Jhonatas Gonçalo são dois exemplos de formandos dos bootcamps deste ano.

Ana Almeida, 23 anos, formou-se em Gestão Hoteleira, passou pela China e estava a trabalhar num hotel de luxo em Inglaterra, mas sabia que queria voltar para Portugal. Em novembro de 2019, quando começou a concorrer para hotéis em Portugal, o panorama económico era totalmente diferente. Mas, já na altura, dizia estar desmotivada com a área. “Já não me sentia desafiada, mesmo estando num hotel de luxo em Inglaterra e de ter conhecido pessoas que nunca imaginaria conhecer. Já não me dava pica continuar na área e estava à procura de algo mais desafiante a nível mental.”

Indecisa entre as finanças e a programação, decidiu apostar na segunda e fazer um bootcamp.

“Aproveitei o tempo de quarentena para aprender uma nova skill, que por acaso até correu bem. Assim que acabei o bootcamp tive duas propostas de trabalho, o que foi bastante bom.” Dos hotéis passou a trabalhar na área de programação de front end na Critical Techworks, que faz programação para a BMW. “Nunca pensei estar numa empresa tão boa em termos de condições e benefícios. Se calhar, só na área da tecnologia é que existiria um trabalho assim, na hotelaria é o oposto. Tenho uma vida muito descontraída, ao início até estranhei”.

Jhonatas Gonçalo, 26 anos, estranha a falta de contacto habitual entre equipas nestes tempos de trabalho remoto. A trabalhar na Santander Global Operations como data analyst há cerca de três meses, faz um balanço positivo da mudança de profissão num bootcamp totalmente digital. Formou-se em Direito no Brasil mas um mestrado que juntava a sua área de formação à tecnologia motivou a mudança para Portugal. A tese de mestrado foi o ponto de viragem para uma nova carreira.

“Tive um filho antes da covid-19, em fevereiro, e antes disso já tinha começado a estudar SQL [linguagem de programação] de forma autodidata. Disse ao meu irmão que queria mudar de área e fui fazer pesquisas de bootcamps disponíveis em Portugal”, recorda.

Jhonatas sublinha a importância de fazer pesquisa antes de um bootcamp, um “investimento não só financeiro mas também de tempo, que pede dedicação total.” “É uma aventura”, diz, mas sublinha que “não conhece um colega que não esteja na indústria” após a formação.

Aprender a programar a linguagem do futuro mudou-lhes a vida