Edward Snowden abre a Web Summit. O que tem para dizer o homem que arriscou tudo?

Edward Snowden - Reuters
Fonte: Reuters

Nunca um analista de sistemas foi tão conhecido quanto Edward Snowden. Cabe ao norte-americano, em asilo político na Rússia, inaugurar a edição deste ano da Web Summit, numa conversa certamente focada na privacidade.

Na última edição do evento dedicado à tecnologia e empreendedorismo, o tema da privacidade já era ‘quente’ – ainda para mais no ano em que se tornou conhecido o caso Cambridge Analytica. Em 2018, a presença de Christopher Wylie, a voz que denunciou as práticas da empresa britânica e a forma como os dados foram usados para influenciar momentos políticos relevantes, era esperada com expectativa.

Mas, antes de o tempestivo homem de cabelo cor-de-rosa ganhar o título de “whistleblower”, já o analista de sistemas e ex-agente da NSA, CIA e DIA tinha “soprado o apito”, com a denúncia de um esquema massivo de videovigilância nos Estados Unidos.

“Enquanto for vivo, hei-de lembrar-me de tentar explicar aos meus colegas como o nosso trabalho estava a ser usado para violar os juramentos que tínhamos feito e do encolher de ombros verbal com que me respondiam: «E que podes tu fazer quanto a isso?»”, escreveu Edward Snowden, no livro lançado recentemente, “Vigilância Massiva, Registo Permanente”.

Em 2013, Snowden denunciou o esquema de videovigilância e tornou-se, automaticamente, persona non grata aos olhos dos Estados Unidos. Como escreve nas páginas do livro, assim que teve a oportunidade, “resolveu soprar o apito” – toda a informação altamente confidencial que tinha sobre o esquema de vigilância da Agência de Segurança Americana foi enviado a jornalistas.

Acusado de espionagem, Snowden fugiu para Moscovo, na Rússia, onde está há quase seis anos, em asilo político. É a partir da capital russa que fará uma comunicação para o palco global da Web Summit, através da Internet, numa conversa com James Ball, da organização britânica Bureau of Investigative Journalism.

O facto de ser um fugitivo aos olhos dos Estados Unidos não é sinónimo de silêncio – pelo menos para Edward Snowden. Com o passar dos anos, tornou-se uma figura reconhecida, seja pelos documentários ou filmes sobre o seu percurso, e uma voz crítica do panorama atual da privacidade.

Nos últimos tempos, as entrevistas habitualmente curtas que concedia, passaram a ser longas conversas – um caso recente é a conversa de quase três horas com o humorista Joe Rogan ou a entrevista a Kara Swisher, no podcast Recode Decode. As declarações de Snowden variam de tom – tanto podem ir desde temas ligados até à vida extraterrestre como à vigilância através de smartphones. “Falo sobre aliens e rastos químicos e coisas assim e sobre o facto de que não há provas sobre isso. Fui à procura na rede”, explica Snowden.

‘Armas’ apontadas às big tech

Num tom mais sério, critica aquilo que descreve como o estado atual da vigilância, que hoje está ainda mais focada nas comunicações móveis do que em 2013, quando Snowden revelou o esquema de vigilância. “O mobile já era uma coisa grande, mas a comunidade de inteligência ainda estava a tentar pôr as mãos na situação e lidar com isso, mas hoje as pessoas têm ainda menos probabilidade de usar um portátil ou um desktop”, explicou a Joe Rogan.

Com um mercado de sistemas operativo dividido entre o Android da Google e o iOS da Apple, Edward Snowden classifica as duas opções como “pouco seguras”. “Tanto os equipamentos da Apple como os equipamentos Android, infelizmente, não são especialmente bons a proteger a sua privacidade”. “Os movimentos do telefone são como os movimentos que fazes enquanto pessoa – e esses são, muitas vezes, formas bastante únicas de identificação”, explica o antigo analista da NSA.

Para Snowden, ter um telefone é sinónimo de garantir que deixou de existir informação efémera. “Onde é que se vai depois de uma separação? Com quem é que se passa a noite? A quem é que se liga? Tudo isto era informação que costumava ser efémera, que desaparecia pela manhã. (…) Ninguém se iria lembrar, mas agora está tudo guardado”.

“Não interessa se não estavas a fazer nada de mal, não interessa se és a pessoa mais desinteressante do planeta, porque é uma coleção [de informação] a granel, é esse o eufemismo do governo para como funciona um sistema de vigilância em larga escala”, explicou Snowden.

Mas não é só a Apple ou a Google que são referidas nas afirmações de Snowden. Depois de ter denunciado a vigilância da NSA, explicou a Kara Swisher que é um “erro” achar que a agência norte-americana representa uma maior ameaça à privacidade do que as grandes tecnológicas.

“O propósito interno do Facebook, quer seja divulgado publicamente ou não, é compilar registos perfeitos das vidas privadas, na máxima capacidade, e explorar isso para o enriquecimento da própria empresa”, contou à jornalista do Recorde. “Isto [recolha de dados] é precisamente aquilo que a NSA faz. A Google tem um modelo muito semelhante”.

Edward Snowden vai mais longe, explicando inclusive que o sistema desenvolvido pela NSA não seria possível sem a recolha de dados assegurada pelas tecnológicas. Ainda assim, o delator aponta que estas empresas “ainda não sabem tanto quanto o governo, que consegue recolher informação de muitas plataformas tecnológicas”.

Edward Snowden estará, à distância, na Web Summit deste ano, na qualidade de presidente da fundação Freedom of the Press, a partir das 18h30 desta segunda-feira, dia 4 de novembro. A conversa será focada nos acontecimentos que levaram o norte-americano de 36 anos a denunciar o esquema de videovigilância de larga escala.

A cerimónia de abertura deste ano

No dia de abertura, as atividades arrancam no palco principal com os grupos de startups, com empresas como a Fyde, Barkyn, Casafari, Tonic App ou a Stratio, entre outras. Depois da passagem de Paddy Cosgrave pelo palco e da intervenção à distância de Snowden, segue-se uma conversa sobre o mundo tecnológico português, com a presença de Daniela Braga, criadora da DefinedCrowd, e de Michelle Zatly, co-fundadora da Cloudflare, empresa que escolheu Lisboa para a abertura de um novo escritório.

Está também na agenda a intervenção de Guo Ping, rotating chairman da Huawei, que explicará os planos da empresa chinesa para a rede móvel 5G. A intervenção é feita numa altura de guerra comercial entre Pequim e Washington, que colocou os holofotes internacionais a incidir na segurança dos equipamentos e infraestrutura de rede móvel 5G da Huawei.

No plano da sustentabilidade, o palco principal recebe ainda a presença de Jaden Smith, Gary White e Paul O’Callagahn, para uma conversa sobre a importância da poupança de água.

A cerimónia oficial de abertura da Web Summit estará a cargo do Ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, e de Paddy Cosgrave, CEO e co-fundador da Web Summit.

A Web Summit 2019 decorre de 4 a 7 de novembro, no Parque das Nações, em Lisboa.

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