Voto online parece miragem, mas especialista da Minsait sugere entrega online do voto. CNE admite que faria a diferença, mas requer nova legislação.
Em plena pandemia, podem as eleições ser feitas online? A espanhola Cristina Frutos, chefe de operações na área de eleições da tecnológica Minsait/Indra, explica-nos que o voto online, por app ou num site/plataforma, está longe de ser uma realidade abrangente e 100% seguro, embora já seja 100% auditável, mas a tecnologia pode dar outras ferramentas. “Há algumas soluções tecnológicas atuais e já com provas dadas que oferecem aos eleitores novos canais para votar, tornam as eleições mais acessíveis para todos e reduzem problemas e custos, aumentando a eficiência”.
Portugal “poderia beneficiar com isso já nas eleições presidenciais de 2021” (em janeiro) – em setembro haverá autárquicas. A responsável da Minsait explica que a opção mais fácil e óbvia para Portugal, nesta altura, é a chamada entrega online do boletim de voto. Essa solução permite imprimir o boletim, preenchê-lo e enviar por correio – embora também exista a modalidade de enviar o voto por uma plataforma online.
Frutos diz que a sua empresa está a implementar isso mesmo no México, com as eleições presidenciais no país, na primavera de 2021, a incluírem já mais de 10 milhões de eleitores (pode ir até aos 20 milhões) que vivem fora do país a usar essa solução que, neste caso, também irá incluir uma modalidade totalmente online, em que o voto preenchido também pode ser devolvido pela internet (e não pelos correios). “Custa 1 euro por voto e reduz em muito os gastos com o correio, simplifica a logística que é de grande complexidade e evita os inúmeros problemas com o envio”. Em plena pandemia, em Portugal, “também faria sentido usar pelo menos o sistema de entrega online do boletim dentro do próprio país”.
Mudanças em Portugal requerem alteração legislativa
João Tiago Machado, porta-voz da Comissão Nacional de Eleições (CNE), concorda que esse uso da tecnologia “parece certo que faria a diferença nos votos a partir de fora de Portugal”. O ano passado, com o recenseamento automático dos portugueses residentes no estrangeiro, o número de eleitores de cerca de 300 mil para 1,4 milhões, mas só 97 mil votaram – e houve mais de 87 mil boletins de voto devolvidos (por morada errada ou boletim não reclamado). “Também houve casos, como na África do Sul, onde os boletins já chegaram aos eleitores já depois das eleições”.
Certo é que “teria de haver uma alteração legislativa para qualquer solução com tecnologia ser posta em prática”. Machado dá o exemplo dos Açores, com eleições legislativas regionais marcadas para 25 de outubro e com o voto antecipado a poder ser feito em cada sede de concelho, enquanto no continente é nas sedes de distrito – uma mudança legislativa para o continente também poderia ajudar a evitar aglomerações de pessoas durante a pandemia. Nesta altura, há um projeto de lei do PS (semelhante a um do PSD) para permitir que doentes com covid-19 possam votar em casa com alguém do município a entregar e recolher o boletim.
Embora conheça as soluções de voto totalmente online da Estónia, ou do voto eletrónico nas urnas no Brasil e EUA, e admita vantagens em facilidade logística e na contagem dos votos – “estive no Brasil e é impressionante ver que instantes depois das urnas fecharem já têm os resultados” – o porta-voz da CNE admite que será difícil ver soluções tecnológicas em Portugal no futuro próximo. “Temos de garantir que a pessoa quando vota é livre e o voto em casa torna mais difícil perceber se a pessoa foi mesmo livre ao votar. Esse facilitismo pode ser perigoso”. Além disso, a questão da alteração legislativa “obriga a um acordo entre partidos, o que pode não ser fácil”.
Cristina Frutos admite que o voto online é uma meta ambiciosa que vai demorar, embora com a pandemia “tem havido uma procura enorme por soluções tecnológicas para as eleições” e é uma área “que está a atravessar uma revolução”.
O exemplo do voto online na Estónia é muito particular. Já se fazem há alguns anos eleições com a possibilidade de votar de forma totalmente online. Mas, como nos dizia o ano passado a presidente da República da Estónia, Kersti Kaljulaid, o país tem desde 2003 um ecossistema digital completo que garante, por isso, maior segurança. “Um país só pode avançar para o voto online quando já tem todo um sistema digital montado e a população já sabe manter a sua identidade digital segura”, admitia a responsável que vê o eVoto como a última etapa do ecossistema digital de um país e não o recomenda a quem ainda não chegou lá.
Cristina Frutos concorda, mas admite que embora o voto online seja seguro num país como a Estónia “é importante perceber que é só mais um canal alternativo, existem sempre as urnas regionais, daí que só 40% tenham votado online nas últimas eleições, o resto continua a ir às urnas”.
Embora admita que estes novos canais digitais ajudam, em parte, a combater a abstenção, “porque quem não queria fazer o sacrifício deixa de ter desculpas”, “não se espere nenhum milagre”. “A tecnologia pode trazer aqueles que não queriam ter de mudar as suas vidas para votar, mas não muda o desinteresse completo que muitos têm no processo democrático”, admite Frutos. João Tiago Machado concorda e diz mesmo que, apesar do voto online na Estónia ter reduzido em muito a abstenção no início, “em três processos eleitorais a abstenção voltou”.
O exemplo de Évora: sucesso sem continuação
Já a experiência de voto eletrónico em Évora em 2019 (nas Europeias), que envolveu quase 200 mil eleitores, “foi um sucesso”. “Demonstrou que a tecnologia é adequada e útil para as eleições – o sistema de registo centralizado funcionou na perfeição – e as pessoas não são relutantes em usá-la e o mais surpreendente foi ver muita adesão nos idosos, algo impensável há 10 anos”, explica Cristina Frutos.
O tal sistema é o que permite que se vote em qualquer mesa de voto, sem ser necessário ir a uma em específico. “Isto facilita a vida dos eleitores que e garante que não há dupla votação, além da contagem dos votos ser imediata”. Certo é que o teste fosse feito já em 2020, seria “muito mais amplo e com novas vertentes”. A responsável lamenta apenas não ter havido sequência por parte do Estado português, com mais testes piloto. “Não basta fazer um teste, ver que foi bem sucedido e esquecer o assunto”.
Blockchain para auditar voto online
Com a pandemia a decorrer, aumenta a urgência “de ter alternativas ao voto tradicional”. No caso do voto online, a Minsait há quase há dois anos a testar e auditar a plataforma que será usada na presidenciais do México em 2021. “É impossível garantir 100% de segurança tanto online como nas urnas, é um facto da vida”. No entanto, o sistema usado agora para aquele que será o maior teste aos votos online a nível mundial (pode ir até às 20 milhões de pessoas) é “100% auditável”.
“Usamos para auditar o processo a tecnologia blockchain de forma privada, com Nodes (computadores que monitorizam o processo) na Comissão Eleitoral, Ministério do Interior e partidos políticos”. Usar blockchain para a votação em si, “tecnicamente seria um pesadelo”, mas Frutos admite que o blockchain faz a diferença a auditar o processo. “Assim,se alguém tentar hackear a votação de alguma forma, não só detetamos a tentativa como percebemos tudo o que se passou”, explica.
Collision prepara Web Summit 2020. Pode um evento online ‘imitar’ o offline?