MySpace. Como a primeira grande rede social não soube resistir ao tempo

MySpace

Chegou a ter mais de 300 milhões de utilizadores em todo o mundo e 500 mil em Portugal. Além de já ter perdido grande parte do interesse junto dos utilizadores, agora o MySpace também perdeu uma parte importante da sua história.

Quando em 2004 Mark Zuckerberg teve um encontro com o então diretor executivo da rede social MySpace, a mais relevante na altura, ter-lhe-à pedido 75 milhões de dólares pelo Facebook. Chris DeWolfe, patrão do MySpace, recusou. No ano seguinte ambos ter-se-ão encontrado novamente: desta vez Zuckerberg pedia 750 milhões pelo Facebook. DeWolfe voltou a negar.

A história faz parte de um livro publicado em 2009 e que conta os tempos de glória do MySpace, rede social nascida em 2003 e que nos anos seguintes afirmou-se como uma das principais plataformas de comunicação na internet.

Na altura das conversas com Mark Zuckerberg, Chris DeWolfe talvez tivesse todos os motivos para não aceitar os acordos – o MySpace era mais popular, em tráfego e utilizadores, e valia muito mais do que o Facebook. No ano de 2005, pouco tempo depois de ter arrancado, foi comprada num negócio chorudo de 580 milhões de dólares por Rupert Murdoch, o magnata do mundo da comunicação que queria ganhar posição no mundo digital e que atestava que o Myspace era a plataforma tecnológica do momento.

Mas no universo da tecnologia quem não evolui morre e foi isso o que aconteceu ao MySpace, de forma lenta, nos últimos anos. Esta é a história de uma empresa que chegou a ser avaliada em doze mil milhões de dólares e que esta semana voltou a ser recordada por ter perdido todos os conteúdos que tinha dos seus utilizadores e que foram publicados antes de 2016.

Era uma vez três amigos

Tom Anderson, Jon Hart e Chris DeWolfe eram três especialistas que trabalhavam na empresa de marketing digital eUniverse, dedicada à venda de produtos na internet através de publicidade online. O ano é 2003 e na altura havia um site que começava a ganhar a atenção dos utilizadores de internet, o Friendster. Este site explorava o conceito de ligação entre pessoas numa plataforma centralizada, já numa lógica de rede social tal como a conhecemos atualmente.

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Apesar de toda a atenção que a plataforma recebia, os três amigos falaram sobre a hipótese de criar uma versão mais focada, mais social, do Friendster. Bastaram dez dias para que tivessem o produto pronto – assim nascia o MySpace.

Um pouco de cultura digna de Silicon Valley ajudou a que a nova rede social rapidamente ganhasse utilizadores e fama: tiraram partido de uma base de mais de 20 milhões de emails que a eUniverse tinha para promoverem a nova plataforma.

No ano de 2004 já o Myspace tinha um milhão de utilizadores e começava a captar a atenção de artistas, sobretudo do mundo da música, que viram a plataforma como um bom local para promover os seus álbuns e trabalhos. Em outubro desse ano a banda REM decidiu publicar um álbum na rede social, o que acabou por servir de inspiração a muitos outros.

A popularidade que a plataforma ganhava servia também os propósitos da empresa-mãe, a eUniverse. O Myspace tornou-se num espaço de excelência para mostrar anúncios dos produtos que a empresa de marketing já comercializava.

Com um crescimento de 70 mil novos utilizadores por dia (!), rapidamente o MySpace começou a captar a atenção de empresas com um maior poder financeiro e começou a mostrar potencial para ser um negócio independente. Alguns meses mais tarde, em julho de 2005, já com 22 milhões de utilizadores, o Myspace é comprado pela News Corp, de Rupert Murdoch. “As pessoas estão a ver menos televisão e a ler menos jornais”, disse o milionário umas semanas antes da aquisição.

O negócio custa 580 milhões de euros ao magnata da comunicação, que acredita que esta aquisição é o que vai dar à sua empresa de media uma posição de ‘frescura’ que lhe faltava no mundo digital.

Até 2009, a rede social conheceu um crescimento positivo – chegou a passar os 300 milhões de utilizadores a nível global -, muito graças à expansão que foi fazendo para novos países. Por exemplo, 2008 marca o ano em que o Myspace lança a sua operação localizada em Portugal, onde chegou a ter perto de 500 mil utilizadores.

No mercado português o ADN da rede social sempre esteve muito ligado à música e estima-se que tenha chegado a ter perto de 50 mil músicos e bandas registados na plataforma, através da qual promoviam o seu trabalho.

Na altura a empresa já tinha o Myspace Music, um serviço mais organizado em torno da música digital. “As vendas de CD estão a baixar 20% ao ano, por isso criamos um modelo de negócio que ajuda as editoras a recaptarem algumas das vendas perdidas”, disse Chris DeWolfe numa entrevista à Wired em 2008 a propósito da nova aposta da empresa.

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Mas enquanto aos olhos do mundo o Myspace crescia, dois problemas surgiam em paralelo: a burocracia dentro da empresa estava a aumentar, fruto da aquisição da News Corp e do modelo de integração implementado pela equipa de Rupert Murdoch; e o Facebook crescia de forma significativa, sim, a rede social que o Myspace recusara comprar uns anos antes.

Sean Percival, que foi vice-presidente de marketing entre 2009 e 2011, revelou quatro anos mais tarde que o Myspace se tinha tornado numa “bola gigante de esparguete”, numa alusão ao facto de a plataforma ter tentado explorar diferentes segmentos de conteúdos e ter tentado responder a diferentes plataformas – incluindo o Twitter -, o que acabou por não corresponder às expectativas dos utilizadores.

“A realidade é que à medida que o tempo passou, as políticas corporativas começaram a aparecer. Vieram os advogados, os consultores. Vieram todos. Em vez de seres um carro desportivo rápido, começou a tornar-se lento”, recorda Percival.

Quando entrou e teve a sua primeira reunião, o executivo percebeu que toda a equipa já estava desmotivada face à crescente burocracia interna e face ao agigantamento do Facebook. “Eles sabiam que o fim estava próximo. Eles conseguiam cheirá-lo”.

Tensões internas acabaram por levar à saída do CEO DeWolfe no ano de 2009, o que agudizou ainda mais a situação da empresa. Este foi também o ano dos primeiros grandes despedimentos, tendo a equipa sido cortada em 30%, o que levou ao corte de mais de 400 postos de trabalho.

O ano de 2011 acabaria por marcar o verdadeiro ponto de viragem para o Myspace: 500 funcionários foram eliminados numa nova vaga de despedimentos e a guerra para o Facebook, pelo menos enquanto rede social, estava perdida. A plataforma focou-se na música como um factor diferenciador, estratégia que saiu reforçada após a aquisição feita pelo cantor Justin Timberlake, nesse ano, por um valor a rondar 35 milhões de dólares – muito menos do que Rupert Murdoch tinha investido antes.

A partir deste ponto a história conta-se quase sozinha: o Myspace continuou a perder relevo face a outras plataformas. O Facebook continuou a crescer quase sem limites e novas redes sociais, como o Instagram, o Pinterest e o YouTube, captavam a atenção dos utilizadores de internet.

Cair no esquecimento

Numa altura em que pouco ou já nada se fala do Myspace – estima-se que ainda tenha cerca de 15 milhões de utilizadores ativos -, a plataforma saltou novamente para a ribalta, mas pelos piores motivos.

A empresa confirmou esta semana que durante uma migração de servidores perdeu todo o conteúdo dos utilizadores e que foi publicado antes de 2016 – ou seja, nos tempos de glória da plataforma. A tecnológica garante também que não há forma de recuperar os dados perdidos – fotos, vídeos, músicas -, pelo que este erro adensa ainda mais o ‘esquecimento’ do Myspace no mundo da tecnologia.

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Ainda que o número de utilizadores atual não seja grande, o número de conteúdos detidos pela plataforma era. Estima-se que mais de 50 milhões de músicas de 14 milhões de artistas tenham sido perdidas neste processo.

“Pedimos desculpa pelo inconveniente”, disse o Myspace em resposta ao sucedido.

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