Sonda com tecnologia portuguesa partiu para revelar segredos do Sol

ESA

Empresa portuguesa Critical Software fez o sistema operativo da sonda Solar Orbiter, que partiu esta madrugada para o espaço onde irá permitir observações inéditas dos polos solares.

Estava a 92ª edição dos Óscares perto de terminar – num dia histórico pelo triunfo (em Melhor Filme e Realizador) ao filme coreano Parasitas -, quando a sonda Solar Orbiter partiu do Cabo Canaveral, na Flórida, para uma missão até ao sol que promete revelações inéditas sobre a estrela do Sistema Solar, que ‘alimenta’ os vários planetas, inclusive a Terra. 

Esta é uma missão histórica conjunta entre NASA e Agência Espacial Europeia (ESA), onde na base do projeto está software feito e testado pela empresa portuguesa Critical Software. João Brito é o responsável pela divisão de Sistemas Críticos, Aeronáutica, Espaço, Defesa, Aparelhos Médicos da Critical Software e explica-nos o trabalho feito pela sua equipa que oscila entre as 10 e 15 pessoas para este tipo de projetos. “Temos esta divisão que participa na construção e nos testes de satélites e vamos sempre tendo duas ou três missões ao mesmo tempo”, admite. O trabalho neste tipo de projetos, inclusive no Solar Orbiter, começou em 2013, em colaboração com a equipa espacial Airbus. 

Solar Orbiter foi lançada na passada madrugada para o espaço

E o que vai acontecer?

O satélite (ou sonda) vai aproximar-se do Sol para estudar a criação e controlo dos campos magnéticos à volta da estrela, um tema sobre o qual ainda não existe muita informação e para o qual o novo instrumento será fundamental. O papel da Critical Software foi fundamental na construção do Solar Orbiter: o sistema central de comando, a análise e avaliação de requisitos, o sistema de deteção, isolamento e recuperação de falhas, ou o software de gestão de comportamento térmico são alguns dos exemplos do papel da tecnológica portuguesa neste projeto.

O português explica que cada equipamento da sonda tem o seu próprio software. “Nós trabalhamos numa espécie de sistema operativo da sonda que liga tudo, dos painéis solares às baterias, passando pelos termostatos ao sistema de navegação. É a base que permite que tudo o resto possa funcionar bem”. Ou seja, garante que a sonda está a apontar no caminho certo e tem em consideração os vários fatores (da temperatura exterior à aproximação a objetos) “para que a missão não fique em risco”.

A equipa da Critical Software para este projeto trabalhou entre o Porto e Coimbra, mas “algumas pessoas tiverem de trabalhar também na Airbus, numa espécie de fábrica de satélites em Inglaterra, para fazer alguns dos testes”. 

O responsável da empresa portuguesa, há muito com projetos ligados à aeronáutica e ao espaço (inclusive com a NASA), admite que no setor espacial demoram mais tempo porque fora da Terra não há assistência possível. “É preciso ter um nível de preparação e de testes minuciosos feitos enorme, porque não podemos intervir depois da sonda partir e temos tentar prever tudo aquilo que pode correr mal para que o algoritmo não seja surpreendido”. João Brito admite que a indústria do espaço exige um nível de exaustão maior do que outros setores onde estão vidas humanas em jogo, como a aeronáutica e o rodoviário, “porque não podemos intervir fisicamente a meio da viagem”. Isto, além do espaço ser mais imprevisível incluindo no ambiente adverso encontrado.

Quando a Solar Orbiter estiver perto do Sol, vai estar inclusive mais próximo da estrela do que o planeta Mercúrio, “estará numa zona por trás do Sol sem comunicação com a Terra e onde deve registar 500 graus na parte da frente e -100 graus na parte de trás”. Mesmo que não bata o recorde da sonda mais próxima do Sol – que pertence a uma missão da NASA – vai fazer algo que nunca foi feito: “irá poder observar os polos solares – que é o primeiro objetivo da missão – e verificar como os polos influenciam a produção do plasma solar e de toda a heliosfera [uma região periférica do Sol, preenchida pelo vento solar] que afetam os planetas do Sistema Solar”.

João Brito admite que há uma responsabilidade máxima neste tipo de projetos, até porque “um erro pode pôr em causa toda a missão, desperdiçando por completo todo o tempo e dinheiro gastos”. 

Trabalhar com a indústria do espaço “motiva sempre”, já que “desperta emoções” pelo lado especial de levar a exploração humana para fora da Terra. A tranquilizá-lo estão os vários processos para que a qualidade seja máxima. “Faz parte da natureza humana não ser 100% eficiente”, daí que sejam “muitas pessoas e olhos independentes a olhar para a mesma coisa e a trazer conhecimentos diferentes para cima da mesa”. Ou seja, se uma pessoa falhar, há outras a tentar ver de forma diferente para a mesma coisa”, admite. 

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Boeing. “Relaxar na qualidade tem consequências graves”

No caso recente dos problemas com os aviões da Boeing (757 Max), o responsável admite não ter dados para tirar conclusões definitivas. “Este processo é feito por pessoas por isso os erros são sempre possível, mas nos sistemas críticos agarramo-nos a probabilidades, mesmo não havendo nada 100% seguro”. O que as equipas tentam fazer é ir ao ínfimo pormenor “para que só exista 0,00001% de probabilidades de acontecer algo grave”. 

O que se viu na Boeing parece indiciar “um certo relaxar da cultura de qualidade por fatores meramente humanos”. João Brito admite que não terá sido só uma pessoa a razão da falha, “o problema de começarmos a atalhar logo no desenvolvimento de um produto é que a realidade, depois, morde-nos na canela, são condicionantes que entram em escalada”, admite. 

Plato. Segue-se missão para encontrar planetas com vida

A equipa espacial da Critical Software está agora a desenvolver outro projeto da ESA que deve ter o seu lançamento a meio do ano. O programa Plato é uma missão com uma sonda que vai procurar planetas que tenham a possibilidade de ter vida. “São missões cósmicas da ESA para fora do Sistema Solar focado em sistemas planetários parecidos com o nosso”, admite.

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