Trump em guerra com internet, quer lei vê Zuckerberg abrir porta do Facebook

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Gerd Altmann / Pixabay

Donald Trump assume guerra com Twitter e prepara nova lei para a internet que promete mudar moderação de conteúdos – Constituição americana pode ser entrave. Zuckerberg critica Twitter por fazer advertências em tweet do presidente dos EUA.

Depois de algumas hesitações, o Twitter começou esta semana a colocar indicações de verificação de factos em posts de Donald Trump que foram considerados enganadores na informação prestada. Em causa estão tweets sobre os votos por correio para as presidenciais de 2020 nos EUA, que Trump diz que serão alvo de fraude.

Em resposta ao Twitter, o atual presidente dos EUA lançou uma série de ameaças sérias à rede social que serve há vários anos do seu principal palco de comunicação com o público em geral e os próprios media.

Esta quinta-feira o presidente prometeu já assinar um decreto-lei que visa o que Trump diz ser “ingerência” da rede social. Entretanto, Mark Zuckerberg saiu em defesa de Trump criticando a postura do Twitter precisamente pela rede social ter tentado indicar o que era ou não verdade num post.

Para o fundador e CEO do Facebook, a rede social com mais utilizadores no planeta, as plataformas como a sua “não devem ser os árbitros de tudo o que se diz online”. Zuckerberg falou à Fox News – estação televisiva com linha editorial associada aos republicanos e ao atual presidente – e as declarações são já vistas como um caminho aberto para o Facebook se tornar na rede social principal de comunicação de Trump.

Apesar das críticas de Zuckerberg, o próprio Facebook tem implementada uma rede de verificação de afirmações e tem aumentado a luta contra a desinformação, no entanto tem optado sempre por excluir todos os políticos com cargos públicos desse tipo de escrutínio.

Esta tarde o CEO do Twitter, Jack Dorsey, deixou já uma resposta às afirmações de Zuckerberg e, ao mesmo tempo, pediu que deixassem de pressionar funcionários da empresa já que todas as decisões sobre o caminho a tomar são dele.

Dorsey explica que o Twitter vai continuar a “chamar a atenção sobre informação incorreta ou duvidosa no que diz respeito a eleições” e que isso não faz da rede social “árbitro da verdade”, esmiuçando que só colocam indicação de que um tweet pode ser enganador quando existem consequências reais para a maioria das pessoas. “A nossa intenção é ligar os pontos sobre afirmações contraditórias, mostrar a informação e deixar que as pessoas decidam por si”, explica.

Trump deverá assinar uma lei que dará ao seu executivo novos poderes sobre a internet. O Washington Post noticia que o presidente dos EUA deverá instruir a Comissão Federal de Comunicações (FCC) e a Comissão Federal de Comércio (FTC), organismos que tutelam os negócios em geral que reverta uma das leis mais polémicas dos últimos anos (com vários candidatos presidenciais democratas a lutarem contra ela), que tira responsabilidade legal às tecnológicas e plataformas de internet sobre o que se passa nos seus serviços. Os EUA têm leis mais favoráveis às tecnológicas do ponto de vista de responsabilidade legal do que existem na Europa, onde a famosa e polémica Lei dos Direitos de Autor tem estado na ordem do dia nos últimos anos.

A chamada Secção 230 da Lei de Decência das Comunicações nos EUA tem protegido as plataformas de internet e, se avançar, a nova lei de Trump será a maior tentativa de sempre de regulamentar as plataformas da internet e é um claro sinal do início de uma guerra entre Trump e qualquer plataforma que tente fazer verificação dos seus tweets e colocar alertas neles (como fez o Twitter, remetendo para um artigo de verificação de factos da CNN).

No Twitter, Trump disse já em tom de ameaça os efeitos dos passos que quer tomar: “Hoje será um grande dia para as redes sociais e para a justiça!”

Já várias vezes considerada como a lei mais importante para a internet mundial, a tal Secção 230 isenta as empresas da maior responsabilidade por aquilo que é dito nas suas plataformas e dá-lhes ampla margem de manobra na forma como podem moderar o que é escrito online. Na prática, isso significa que teoricamente um utilizador não pode processar o Twitter por banir uma conta específica – embora muitos já o tenham tentado – ou por colocar indicações de que um post pode ter factos duvidosos.

Um dos problemas que o desejo de Trump pode encontrar é legal e tem a ver com a Primeira Emenda da Constituição do país, que impede o governo dos EUA de limitar o discurso privado – ou em plataformas privadas. Dizer ao Twitter como e quando pode moderar conteúdos na sua plataforma parece ser uma clara limitação ao discurso em espaço privado que pertence à empresa, indicam os especialistas nos EUA. Ainda para mais quando o caso que desencadeou tudo isto é uma pequena indicação num tweet que acrescenta conteúdo a ele e não o bloqueia.

É de esperar, a nível prático, uma contestação judicial, alegando que a lei é inconstitucional, o que impedirá qualquer tentativa de ação imediata da FCC neste caso.

Relembrando o caso europeu, os artigos polémicos da diretiva dos direitos de autor eram o 11 e o 13. O artigo 11 dizia respeito à proteção de publicações de imprensa para utilizações digitais, prevendo um pagamento a essa mesma publicação na partilha de ‘links’ ou de referências, o artigo 13 previa maior responsabilidade legal sobre o que é colocado nas plataformas e a criação de um mecanismo para controlar o conteúdo que é carregado por parte dos utilizadores, sistema que tem sido muito criticado por não conseguir distinguir um uso legal (como a citação) de uma utilização ilegal.

Facebook sabia que algoritmo gera divisões

Esta semana o Wall Street Journal publicou que um relatório interno do Facebook apresentado aos executivos já em 2018 mostra que a empresa estava ao corrente de que a rede social, nomeadamente o mecanismo de recomendações de conteúdos aos utilizadores (por algoritmos), alimentava divisões e posições extremadas.

Um dos slides da apresentação dizia mesmo de forma clara: “Os nossos algoritmos exploram a atração do cérebro humano pela divisão”. Apesar dos avisos que o relatório terá mostrado sobre o efeito que isso poderia ter na sociedade, a liderança do Facebook terá ignorado as revelações, tentando afastar-se de responsabilidades inclusive de divisão política acentuada nos EUA, diz a publicação.

O motivo? O Wall Street Journal revela que o relatório também mostra que mudanças na plataforma para que potencie menos divisões “iriam afetar desproporcionalmente os conservadores [os republicanos, o partido pelo qual Trump foi eleito presidente] e prejudicar o engagement [interação]”. O modelo de negócio do Facebook, baseado na publicidade online (em conjunto com a Google, o Facebook tem um monopólio acima dos 86% da publicidade online), depende do tempo que as pessoas passam na sua plataforma, daí que conteúdos que façam as pessoas interagir e passar lá mais tempo têm ganhos financeiros diretos para a empresa de Zuckerberg.

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