Jamie Paik já passou por grandes centros da robótica, como Tóquio ou Seul. Em 2012, criou o seu próprio laboratório dedicado à robótica, na Suíça. A missão? Desenvolver robôs que possam ser um verdadeiro ‘canivete-suíço’: adaptáveis e verdadeiramente úteis para os humanos.
A canadiana de 38 anos desenvolve aquilo que acredita ser o próximo grande paradigma do mundo da robótica. Jamie Paik desenvolve trabalhos num campo muito específico do mundo tão amplo que é o universo dos robôs – a robótica suave (soft robotics). Ao contrário daquilo que vemos nos filmes, estes robôs não têm necessariamente um aspeto frio ou metálico. Estamos habituados a robôs que imitam o movimento humano ou que tentam imitar movimentos de animais – veja-se o caso dos cães robóticos da Boston Dynamics. Mas e se não for isso de que se precisa? Os robôs do mundo da robótica suave não se regem por essa lógica e podem assumir diversas formas e feitios, ser flexíveis ou até modulares, sendo fabricados com recurso a vários materiais diferentes.
“A diferença não é necessariamente como é que se parecem visualmente, mas mais como é que estes robôs são criados para cumprir determinados propósitos”, explica a entusiástica investigadora. “A ideia principal desta robótica não é para uma aplicação única, mas sim como é que estes robôs podem ser criados e adaptados a diferentes propósitos”.
Jamie Paik criou, em 2012, o Laboratório de Robótica Reconfigurável da École Polytechnique Fédérale de Lausanne, onde também assume o cargo de diretora. No currículo, conta ainda com um ano de trabalho num programa de estudo da Mitsubishi, em Tóquio, no Japão. Depois disso, ainda rumou à Coreia do Sul, onde projetou robôs antropomórficos ao serviço da gigante tecnológica Samsung.
No seu laboratório, investiga como é que é possível chegar à ideia do ‘canivete-suíço’ da robótica. “Normalmente, quando os robôs são fabricados e concebidos têm uma tarefa muito específica a cumprir. Por exemplo, queremos transportar as coisas do ponto A ao ponto B, queremos ter uma linha de montagem, queremos pintar… São coisas muito específicas e os robôs são feitos para fazer determinada coisa bem”, começa por explicar, para mostrar as diferenças da robótica tradicional.
“O conceito de robótica suave é diferente: não sabemos bem qual é que vai ser a tarefa ou o ambiente, mas o robô tem de ser capaz de se adaptar ao ambiente e às tarefas. E, para isso ser possível, o design tem de ser capaz de compensar todas estas discrepâncias, seja a mudar de forma corporal ou a ter diferentes extremidades”.
E como é que se chega a esta adaptabilidade nos robôs? “Pode significar duas coisas: ou os materiais são adaptáveis ou a forma é adaptável”.
Não é por a robótica ser suave que só são usados materiais desse tipo. A ideia é mesmo conseguir criar um robô adaptável e com várias aplicações, que combine alta tecnologia. “Usamos uma quantidade muito diferente de materiais, não apenas materiais suaves, como borracha, esponjas ou silicone. Acabamos por usá-los, sim, mas não são apenas estes; também usamos materiais compostos, que sejam muito leves mas também resistentes, como fibra de carbono ou fibra de vidro”, explica a investigadora.
Criar algo já é um desafio, mas a robótica suave ainda coloca outros entraves – justamente devido aos materiais. “Vamos imaginar que colocamos pedaços de metal nas nossas roupas – não há movimento possível, torna-se numa armadura desconfortável. E acontece o mesmo com os robôs. Se existissem várias camadas nos robôs, como se uma fosse feita de alumínio, outra de algodão, penas e ainda uma terceira de plástico – não é possível haver movimento. Várias camadas e vários materiais dificultam muito o processo e o controlo de precisão dos robôs”, refere Jamie Paik.
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Em Lausanne, há vários projetos em curso nesta ‘fábrica’ de robôs, em diferentes pontos de maturidade. A investigadora aponta que há projetos onde apenas se olha para aquilo que está no interior dos robôs, como os componentes e sensores. Mas também existe um olhar para o mundo comercial – como a produção de um joystick que possa “comunicar” com o utilizador.
Um dos trabalhos mais conhecidos da investigadora canadiana é um dispositivo wearable, para evitar dores nas costas ou mal estar físico. “Um trabalhador da construção civil que trabalhe muitas horas numa posição desconfortável pode usar um dispositivo deste género para conseguir ter alguma ajuda. Estamos a olhar para diferentes dispositivos wearable, que seja possível usar, e aumentar produtividade, também”, exemplifica.
Os trabalhos que são desenvolvidos no laboratório de Jamie Paik não têm uma indústria-alvo – têm várias, explica, com um largo sorriso. “A indústria médica, o campo da fisioterapia… Não são apenas estas, mas [estas indústrias] incluem-se também. Também ponderamos a indústria de entretenimento e gaming”.
Os robôs vão tornar o trabalho mais seguro?
A relação entre humanos e robôs é muitas vezes dominada por questões ligadas ao mundo do trabalho – normalmente, se vão roubar empregos aos humanos ou não. Para a investigadora canadiana há outra factor em jogo: a segurança. “Os robôs estão a tornar os nossos trabalhos mais seguros, não vou dizer que os estão a tornar mais fáceis, mas fisicamente são mais seguros. Não é preciso colocar vidas em risco, porque são os robôs que vão fazer essa parte”, exemplifica.
Para Jamie Paik, que lida com o mundo da robótica todos os dias, é justamente esse campo que poderá ter possibilidade para expandir a força de trabalho global. A investigadora acredita que o mundo da robótica vá “criar mais trabalhos, porque vamos precisar de mais talentos para gerir estas interfaces robóticas. Precisaremos de uma força de trabalho maior para controlar estes robôs, tudo enquanto mantemos as pessoas mais seguras”.
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“Há quem trabalhe em ambientes muito perigosos e isso aumenta os valores dos seguros, as empresas correm muitos riscos a ter pessoas nesse tipo de ambientes para essas tarefas. Estes robôs adaptáveis vão conseguir chegar a lugares onde os robôs anteriores não podiam ir, seja porque a superfície inacessível ou os ambientes são difíceis. Os esforços que estamos a desenvolver vão levar estes robôs até este tipo de ambientes”, assegura.
Defende que a robótica atual é uma junção de todas as tecnologias que se desenvolveram nos últimos 30 anos. “Temos vindo a otimizar softwares, o último exemplo é a inteligência artificial, antes otimizámos diferentes tipos de fontes de energia, antes olhámos para as redes, infraestruturas… E agora a robótica é a combinação de toda esta tecnologia e estamos prontos para investir e para investigar o que serão as próximas máquinas revolucionárias”.
“Toda a gente sabe que os robôs são a próxima grande coisa, mas vai ser algo em grande, não só no mercado profissional, para especialistas e engenheiros, mas também vai ser revolucionário porque vai entrar no nosso dia-a-dia.”
Vamos todos ter um robô em casa, daqui a dez anos, por exemplo? “Algum tipo de robô, sim. Já andamos com o cérebro do robô, com os computadores, por exemplo. Agora só precisamos de algo mais físico ou uma plataforma para isso funcionar”, aponta, recordando que isto será um próximo processo de transição.
“É quase como a transição que se fez, do telefone fixo para os telemóveis – aconteceu tudo de uma forma muito rápida. Vai acontecer o mesmo com os robôs. Antes ninguém tinha um computador pessoal – no início dos anos 90 estava só em escolas e escritórios – e de repente toda a gente passa a ter um computador pessoal. Antes, ninguém tinha um telemóvel, agora todos temos. No futuro, a questão vai ser diferente: antes ninguém tinha um robô e todos passarão a ter”.
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