Conheça as histórias dos cérebros que seguiram o caminho das estrelas até ao Jet Propulsion Laboratory da agência espacial norte-americana em Pasadena, sul da Califórnia.
Às sete e meia da manhã, o parque de estacionamento do laboratório de propulsão a jato da NASA já está meio cheio. A fila é grande no pequeno quiosque que serve café nos jardins do laboratório, onde todo o esplendor do sul da Califórnia, EUA, está em exibição: muitos espaços verdes, temperatura agradável e montanhas a perder de vista no horizonte.
Longe da vista do público que desemboca neste espaço para visitas gratuitas, há zonas de testes ao ar livre onde se simula o terreno de Marte. Há câmaras de eco e salas para testar protótipos de veículos espaciais. Aqui, em Pasadena, trabalham mais de seis mil investigadores em todo o tipo de áreas ligadas ao Espaço e ciências da Terra – pelo menos quatro são portugueses.
Graça Rocha, João Teixeira, António Ferraz e Nuno Filipe vieram parar ao JPL – Jet Propulsion Laboratory – em momentos diferentes e para áreas distintas. Seguiram o caminho das estrelas até à NASA e nenhum pretende voltar para Portugal, onde as oportunidades nesta área são poucas. Todos sublinham a grande diversidade e abertura do laboratório como uma das principais valências, sendo possível encontrar investigadores de todo o mundo e com os projetos de pesquisa mais ambiciosos.
O laboratório é gerido pelo Caltech (California Institute of Technology), o que significa que os seus investigadores não são funcionários públicos como os restantes da NASA. No JPL, onde é preciso pedir autorização de entrada com muita antecedência e as tours públicas estão lotadas, o trabalho dos cientistas portugueses tem impacto mundial. As missões são interdisciplinares e muitas vezes em coordenação com outras agências espaciais, com destaque para a ESA – Agência Espacial Europeia.
Mesmo com as alterações feitas pela nova administração de Donald Trump ao orçamento devotado à NASA, o laboratório até conseguiu mais dinheiro. A agência espacial norte-americana teve neste ano um orçamento de 19,9 mil milhões de dólares, acima do que estava inicialmente previsto.
Embora as prioridades do novo ocupante da Casa Branca sejam diferentes do seu antecessor, há um consenso que não foi quebrado: aqui desafiam-se os limites da humanidade e projeta-se o seu futuro, para o infinito e mais além.
À procura de exoplanetas e vida extraterrestre
Os últimos dez anos passaram quase sem que desse por isso. Em julho, a cosmóloga Graça Rocha abriu a sessão de apresentação de resultados da missão Planck na 42.ª Assembleia do Comité de Investigação Espacial (COSPAR), marcando o final de “uma era épica” na vida de quem trabalhou neste projeto.
Durante a última década, esteve envolvida a 100% nesta missão da Agência Espacial Europeia com participação da NASA, que teve como objetivo fazer um mapa das flutuações da radiação cósmica de fundo do universo. Em essência, um mapa da radiação que ficou do Big Bang, um olhar para o passado através da luz mais antiga que se pode observar.
O telescópio espacial Planck esteve operacional entre 2009 e 2013 e os resultados da missão foram publicados pela ESA recentemente, com enorme impacto científico. O reconhecimento não demorou: Graça Rocha e a restante equipa Planck receberam o Prémio Gruber de Cosmologia, que foi entregue na Áustria pelos avanços significativos que tornaram possíveis.
“Este prémio foi muito prestigiante, porque o Planck foi extraordinariamente extenuante”, diz Graça Rocha, sentada na esplanada do JPL, com o café acabado de tirar.
“Tive dez anos que nem me apercebi que passaram. É muito estranho. É uma área muito competitiva.” Começou a trabalhar na missão Planck quando chegou ao JPL, em setembro de 2009. Vinha de uma aventura de três anos no Infrared Processing and Analysis Center (IPAC), da Caltech, o desafio que a convencera a trocar a Europa pelos Estados Unidos. Antes disso estava em Cambridge e fora “persuadida” a mudar-se para o sul da Califórnia pelas oportunidades de carreira. Confessa que foi um choque, porque é difícil ter a vivência de bairro a que os europeus estão habituados.
“A vida aqui é muito diferente”, admite, tantos anos depois. “Gosto muito de caminhar, ir ao café, falar com as pessoas aqui e acolá. No início tentei fazer isso e apercebi-me de que era a única.” Graça tem uma sociabilidade inata que se nota em poucos minutos: para frequentemente para dar dois dedos de conversa, conhece toda a gente. Tem um sorriso fácil.
Agora que esta fase Planck terminou, já está envolvida noutros projetos – vários ao mesmo tempo. “Neste momento, estou a trabalhar no projeto de exoplanetas e a possibilidade de deteção de vida extraterrestre. É muito interessante.” Na caça por planetas fora do sistema solar, a cosmóloga portuguesa estará dedicada também ao desenvolvimento de algoritmos com aplicabilidade noutros projetos.
“Há uma série de missões para as quais estes desenvolvimentos que estamos a fazer no JPL terão um impacto nos resultados científicos”, explica.
O laboratório da NASA fomenta a colaboração e tem uma comunidade muito diversa de engenharia, tecnologia e ciência. Desde que exista financiamento, há espaço para novas ideias, “grandes projetos”, missões e experiências, equipas multidisciplinares e colaborativas. Graça Rocha não põe nada de parte no futuro, mas também não perspetiva um regresso a Portugal ou à Europa. “É uma vida muito agradável”, resume. “As coisas são facilitadas.” E dado o sucesso que tem tido em transitar para outros grupos, acredita, desafios não faltarão no seu caminho.
Descodificar os segredos das nuvens com os olhos postos na terra
É o português que está há mais tempo no Jet Propulsion Laboratory, onde chegou em 2008, ano da grande recessão do século XXI e da eleição histórica de Barack Obama. Nessa altura, com a questão das alterações climáticas a ganharem destaque e um democrata na Casa Branca, o JPL criou o centro de clima de que João Teixeira é hoje codiretor. “Faço bastante investigação a tentar melhorar os modelos de clima e de tempo”, explica, detalhando que um dos seus focos é o estudo das nuvens.
“É importante não só no sentido de melhorar a previsão do tempo mas também do clima”, adianta, referindo que são coisas diferentes. “As nuvens têm um papel fundamental no futuro do clima. E aquilo que lhes vai acontecer no futuro vai ser bastante importante.”
As nuvens, diz, são apontadas como a grande incógnita, porque os cientistas não sabem se vai haver mais ou menos – e isso é relevante pelo facto de refletirem a radiação solar de uma forma muito eficiente, ao contrário, por exemplo, da superfície do oceano. “Saber se vai haver mais ou menos nuvens é essencial para perceber se o clima vai aquecer muito. Essa é a área em que sempre trabalhei.”
Quando entrou no JPL, já ia com uma carreira longa. Tinha-se especializado em Geofísica na Universidade de Lisboa, no início dos anos 1990, e em 1993 foi parar ao Centro Europeu de Previsão do Tempo, “o melhor que existe no mundo inteiro”, em Inglaterra. Daí saiu em 2000 para o norte da Califórnia, onde foi trabalhar para um centro de previsão do tempo e investigação da Marinha norte-americana. Voltou à Europa em 2005, para um centro da NATO no norte de Itália com a intenção de “dar uma educação europeia” aos três filhos. “Mas as saudades da Califórnia fizeram-nos voltar”, conta.
“É o que acontece aos europeus nos Estados Unidos ao fim de alguns anos: não somos europeus nem americanos, estamos ali no meio do Atlântico.”
A oscilação das prioridades na Casa Branca não tem afetado a sua pesquisa, sendo que o centro de clima do JPL se tornou um dos mais importantes do mundo. Em paralelo, João Teixeira também é investigador principal da AIRS – Atmospheric InfraRed Sounder, uma missão de ciências da Terra que observa a temperatura e a humidade da atmosfera. “É uma missão antiga que tem tido muito sucesso em duas coisas: é usada para melhorar previsões do tempo, os próximos dois ou três dias, e também para ajudar a prever o clima melhor, a evolução de longo prazo.”
O tema das alterações climáticas está, considera, manchado pelas polarizações partidárias, mas levanta questões fundamentais. “Por exemplo, se vai haver mais tempestades”, o que é importante para o público, para os governos e para as companhias de seguros. “Todos os dados têm incerteza associada”, sublinha, e há uma discussão sobre como a apresentar sem que seja usada de forma nefasta. “Temos de ser honestos. E o mais abertos possível.”
João Teixeira já não pensa sair da Califórnia, onde a qualidade de vida é boa, “o dia-a-dia é mais fácil” e o ambiente no JPL é aberto e empreendedor. Fala com apreço da experiência cosmopolita de viver em Los Angeles, onde há restaurantes de qualquer parte do mundo, filmes “estranhíssimos” e entretenimento variado. “Uma das coisas de que gosto mais é quando se aterra no LAX e se entra no aeroporto, ninguém sabe se estamos na Califórnia há dez minutos ou há dez anos”, sublinha. “E ninguém quer saber.”
O cérebro por detrás da inteligência dos satélites
As equações e os códigos que passa os dias a fazer servirão para que a sonda Europa Clipper saiba navegar sozinha quando for lançada, entre 2022 e 2025. É uma missão gigantesca da NASA à Europa, lua oceânica de Júpiter, com a intenção de descobrir se existe água e vida microscópica por baixo da sua crosta de gelo.
“Faço pilotos automáticos para satélites, toda a parte de autonomia que o faz tomar observações e apontar para zonas do céu sozinho, sem controlo terrestre”, descreve. “A minha tarefa nesta missão é desenvolver os códigos que irão correr no satélite que permitem à sonda saber para onde está a apontar no céu, se para o Sol, Terra ou Europa.” É a “inteligência” dada ao satélite para que possa navegar de forma autónoma.
Dedicou-se a este projeto no último ano e meio, depois de entrar no JPL em 2015, quando o laboratório fez uma visita ao Georgia Institute of Technology, onde Nuno Filipe estava a terminar o doutoramento. “É uma área que requer muita matemática e física”, refere, explicando a decisão de ir estudar para Atlanta em 2010 depois de já ter tirado Engenharia Aeroespacial no Instituto Superior Técnico, em 2006.
“Quando terminei o mestrado trabalhei dois anos para a ESA e depois senti que precisava de mais estudos para aquilo que andava a fazer.” O esforço deu frutos. “Sempre tive o sonho de trabalhar um dia na NASA. Todos os meus estudos foram para chegar aqui um dia”, recorda.
A missão Europa Clipper é das mais entusiasmantes que a NASA tem a decorrer, com uma sonda que terá várias toneladas e dois painéis solares com mais de vinte metros. “É um projeto grande, que custará dois mil milhões de dólares”, adianta. “O JPL é o centro mais convidativo, pela diversidade de projetos e pela história”, sublinha. “Somos o único centro do mundo que visitou todos os planetas do sistema solar.”
Casado com uma norte-americana, que conheceu em Atlanta, voltar para Portugal não é algo nos seus planos proximamente, embora não o descarte. Elogia o tipo de vida que se faz no sul da Califórnia. “Do tempo não me posso queixar, principalmente comparando com a Holanda. Aqui é muito melhor.”
De olhos postos nas florestas tropicais e nas alterações climáticas
Não tem histórias de naves espaciais para contar, mas o trabalho que está a fazer vai ajudar a NASA em duas missões críticas de observação da Terra. No laboratório de Pasadena desde 2014, António Ferraz dedica-se ao acompanhamento da evolução das florestas no mundo inteiro.
“Estamos a monitorizar a evolução do carbono nas florestas tropicais”, revela, falando dos desafios de perceber o seu volume e composição, o consumo e a libertação de dióxido de carbono. A observação está a ser feita com aviões, mas o objetivo é fazer a partir do espaço. É aí que entram os cálculos do investigador: “Precisamos de medidas de terreno para calibrar as medidas a partir do espaço. Estamos a fazer uma ponte.”
A base de medições servirá para calibrar as imagens de satélite de algumas missões que a NASA vai lançar. Uma já está a caminho da estação espacial e em 2019 será lançado outro satélite que vai monitorizar a Terra inteira.
“Estou satisfeito aqui”, afirma. “As perspetivas em Portugal são poucas”, reconhece Ferraz, que tirou Engenharia Geográfica na Universidade de Coimbra e fez a maior parte da carreira fora de Portugal.
Pai há pouco tempo com a mulher Márcia, investigadora da UCLA (University of California, Los Angeles), diz que tem conseguido conciliar a paternidade com o trabalho e, por vezes, trabalhando num café perto de casa. “É outra vantagem de estar nos EUA, a completa flexibilidade”, sublinha. “Em Portugal isso é malvisto.”
* Este artigo foi originalmente publicado na edição de outubro de 2018 da revista Insider