Reportagem: O que vale a tecnologia da Farfetch e Outsystems

    OutSystems,
    Proença-a-Nova. Centro de desenvolvimento da OutSystems. (Fernando Fontes / Global Imagens )

    Valem mais de mil milhões de euros – daí terem o título ‘unicórnios’ – e são empresas portuguesas onde a tecnologia e os conceitos criados pelos seus fundadores têm um potencial que parece ilimitado. Fomos ver o que valem a nível tecnológico.

    (esta é parte da reportagem publicada no primeiro número da revista Insider, que saiu em julho – alguns dos números podem estar desatualizados pelo crescimento exponencial destas empresas; a primeira parte deste artigo está aqui; pode ler ainda sobre o talento da Outsystems; sobre o talento da Farfetch; descubra o quartel-general com escorregas da Farfetch).

    Farfetch: Plataforma para liderar venda de moda mundial

    Mais do que uma marca do e-commerce da moda de luxo, a Farfetch quer ser uma plataforma global da venda de moda em geral. Cipriano Sousa não tem dúvidas: “em 10 anos podemos ser o sistema operativo da moda em geral, em que os parceiros, marcas e boutiques usam a Farfetch como as apps usam a Apple e o iOS do iPhone para crescer”. Ou seja, a plataforma quer resolver o problema de várias empresas quando querem crescer e vender para outras áreas do mundo, fornecendo o backoffice, pagamentos, o processamento de encomendas e envios e até o seu departamento de fraude. Neste momento 95% do negócio da Farfetch é o e-commerce da moda de luxo e 5% é o uso da plataforma por outras empresas. “Numa década acho que vai ser ao contrário, só 5% do negócio é que será da nossa loja online”. Uma ambição notável “à medida de José Neves”.

    Como é que vão fazer isto? O primeiro grande passo foi dado já este ano com a aceleradora de startups Dream Assembly. Onde de 150 candidaturas já surgiram várias startups parceiras que além de mentoria, querem usar a plataforma da Farfetch. Um desses exemplos é a Fashion Concierge, que usa uma janela de conversação e inteligência artificial (para já ainda com ajuda humana) para dar sugestões perfeitas ao cliente que escreve o que pretende. Essa startup foi adquirida pela Farfetch, pelo potencial que tem e essas ideias vão ser implementadas no site da marca. “O objetivo final é termos empresas, startups ou pessoas individuais a desenvolver produtos e soluções em cima da nossa plataforma e já há estrutura montada para por ao dispor destas empresas. Quanto mais eles crescem, mas a Farfetch cresce como plataforma.

    Cipriano Sousa lembra que desenvolveram a plataforma “para não ficar presa à moda” e “poder ser aberta”. O conceito é terem “o mundo a desenvolver aplicações para a Farfetch”. Do ponto de vista de inovação “isto é uma excelente aposta, porque nós não temos de fazer tudo e inventar tudo”.

    Loja do Futuro da Farfetch é laboratório para todos 

    A Loja do Futuro pretende remover o atrito que muitas lojas têm, face ao online. Em primeiro lugar, a pessoa pode ser reconhecida (se o desejar) quando entra na loja – para já pelo seu telemóvel – e tem um tratamento adequado ao seu perfil e aos seus gostos, que a plataforma Farfetch já conhece. Pode tocar num produto e, com ajuda do telemóvel, ter informação imediata sobre se há outras cores disponíveis, outros tamanhos em stock (se não houver na loja, pode encomendar logo online) e até o aspeto que pode ter já vestido – pode ver um pequeno vídeo daquela peça a ser usada numa passerelle, num conceito chamado prateleira infinita.

    Depois surge o conceito de Espelho Mágico cujo hardware, curiosamente, é feito noutra empresa portuguesa. É nesse espelho que é um ecrã tátil e está no provador, que o cliente pode pedir ao sistema outras recomendações com base no seu perfil. Também pode enviar fotos aos amigos pelo Messenger a pedir conselhos e fazer logo o check out, pagar através do telemóvel e pedir para entregar em casa. É uma operação de segundos, até porque o sistema já sabe a morada certa. O software desse espelho é feito pela Farfetch, que usa tecnologia NFC de emparelhamento com o telemóvel para reconhecer de forma direta o cliente.

    Outsystems: tecnologia que quebrou muros

    O sistema Outsystems tem atuado como ferramenta de software cada mais ampla, que permite que os programadores façam sistemas (da faturação, à gestão de recursos humanos, passando por portais online até aplicações móveis) feitos à medida de cada empresa de forma ágil e muito mais rápida do que com sistemas tradicionais. Tem sido o chamado low code (código básico) que distingue a empresa liderada por Paulo Rosado, que desde 2001 tem tentado pensar “fora da caixa” em prol da simplificação de processos, numa escala que Rosado chama de “revolucionária” e que permite tornar a mudança e a inovação constante muito mais fácil e ágil.

    Acabou por ser a urgência das aplicações móveis terem de reagir à mudança de forma constante que “também fez de nós aquilo que somos hoje”, admite Gonçalo Veiga, diretor de experiência de produto da Outsystems. Rosado avança que as equipas que trabalham com Outsystems são, por normal, quatro vezes mais pequenas e pode-se poupar até 20 vezes mais em custos, até porque a plataforma permite “colmatar falta de experiência do programador e resolve algo que poucos programadores dominam, que é a área da segurança do sistema”. Além disso, permite tornar um sistema pensado para 50 pessoas, num sistema para cinco milhões com poucas alterações.

    Há várias razões para a codificação ser difícil. Um software quando é construído, é feito em seis níveis ou tecnologias diferentes. Quando se faz uma alteração numa, o impacto que tem nas outras tem de ser alterado à mão. Há uma análise de dependências grande.

    A plataforma da Outsystems unifica os seis níveis de construção de um software, “dentro de uma linguagem ou ambiente visual muito fácil de perceber”. Por isso, “cada vez que há uma alteração num dos pontos, o sistema autocorrige os outros”. Rosado explica que um sistema tradicional leva “11 milhões de códigos Java, enquanto em Outsystems só tem cerca de três mil objetos visuais” e isso permite “o entendimento de um grande sistema como algo muito mais fácil, porque há muito menos coisas para perceber”. Essa vantagem torna que a alteração de um software não esteja dependente dos programadores que o fizeram, como acontece nos sistemas tradicionais que ficam projetos órfãos: “em Outsystems qualquer um pode pegar no sistema e fazer alterações, sem ter praticamente de começar de novo”.

    O diretor de produto, Gonçalo Borrêga, na empresa desde 2008, garante que o produto tem mudado pouco ao longo dos anos. “Sempre nos mantivemos fiéis à visão inicial, que é muito abrangente e as bases da tecnologia são as mesmas desde 2002”, diz o responsável, que admite que as mudanças no mercado nos últimos anos têm trazido “pressão sobre as empresas para de modernizarem” e, isso, fez com que o nosso sistema fosse cada vez mais apetecível. Já Paulo Rosado acrescenta que “só aqui há quatro anos é que o mundo percebeu que é este o caminho e se tornou standard”.

    Para tudo isto, foi necessário quebrar um muro que parecia para muitos intransponível e atrasava muito a construção de software e a sua mudança. É esse o caso do chamado DevOps, algo que a Outsystem diz ser a percursora a nível mundial. E o que é? Trata-se da unificação entre o desenvolvimento e as operações, duas áreas na construção de um software que eram separadas e, na plataforma Outsystems, estão juntas. “É tão radicalmente diferente do que se fazia, que em muitos casos há processos que demoravam duas semanas, que em Outsystems são feitos em minutos.

    Um dos exemplos da eficácia do sistema foi logo num dos primeiros grandes clientes em Portugal. A Brisa recorreu ao Outsystems para fazer o seu sistema de gestão da Via Verde e dos portageiros. Depois de terem tido um orçamento do mesmo projeto para dois anos de trabalho, fizeram em Outsystems em apenas seis meses. “Temos feito vários projetos que foram considerados impossíveis de resolver e resolvemos com sistemas mais ágeis do que nunca”. Empresas como a Toyota, um dos grandes clientes da empresa, têm problemas graves com softwares antigos em centenas de projetos que custam dezenas de milhões de euros. “Conseguimos chegar ali e reduzir tempo e custo em 75%”.

    Já este ano, a empresa abriu um centro de inteligência artificial (IA) em Linda-a-Velha. O objetivo é “automatizar ao máximo um conjunto de passos”, o que vai permitir antecipar aquilo que os utilizadores querem, tanto na perspectiva de quem as desenvolve como a do utilizador final”, explica Gonçalo Veiga.

    Para os próximos 10 anos, Paulo Rosado não tem dúvidas: “vamos crescer muito mais porque o problema do software é gigantesco, também queremos executar vários planos de ideias que temos”. Daí que veja na IA “um potencial incrível”. “Não podemos revelar, mas vamos lançar já este ano na plataforma bons exemplos de inteligência artificial”. O CEO da Outsystems vê a sua plataforma que insiste, está na “cloud”, como um canivete suíço, repleto de hipóteses e usos. “Agora estamos a começar a dizer aos clientes como podem usar as várias funcionalidades e vamos aumentar os serviços agregados nesta mega plataforma”.