E tudo os chips criaram na era digital. Mas há uma nova revolução à espreita

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São cada vez mais pequenos e dão-nos cada vez mais em todo o tipo de objetos. Contamos a história dos chips (e dos transístores) com a ajuda de especialistas, mas analisamos também o futuro com uso de luz ou papel para transmissão de dados, além da prometedora computação quântica.

São o cérebro dos sistemas computadorizados que, hoje, damos por garantidos no nosso dia a dia. São cada vez mais pequenos, conectados e integrados em circuitos que são verdadeiros sistemas de planetas minúsculos no cosmos que é o mundo digital. Os chamados chips de computação podem parecer pequenos, mas escondem um sem número de transístores que tem crescido em número e decrescendo em tamanho, de forma vertiginosa, ao longo dos anos. 

São eles que permitem dar funções específicas a uma infinidade de aparelhos eletrónicos. Se no passado, começando nos eletrodomésticos, a sua capacidade era muito limitada, agora temos supercomputadores, smartphones, tablets, aspiradores robô, colunas digitais inteligentes e sensores da chamada Internet das Coisas (que alimentam cidades e casas inteligentes e podem ir de caixotes de lixo até lugares de estacionamento que transmitem informação).

Estes pequenos transístores não são, no entanto, componentes isoladas ou individuais, fazem sim parte do chamado circuito integrado (também conhecido como microchip) ou dos processadores (que podem ser de diferentes tipos – úteis para tarefas muito diferentes), no qual os transístores trabalham de forma concertada para ajudar ao sistema computadorizado a completar os seus cálculos.

Como começou a era dos chips (e da computação)?

Em menos de 60 anos evoluiu-se mais na sofisticação da computação de máquinas do que em milénios e evolução humana. As várias guerras e a própria era espacial que, nos anos 1960 culminou com a chegada do primeiro ser humano à Lua – este ano cumpriu-se precisamente 50 anos que Neil Armstrong pisou o solo lunar – foram fulcrais para evolução da computação em geral e dos chips em particular. Foram precisas algumas décadas de experimentação para que materiais sólidos, os transístores, pudessem substituir a tecnologia anterior: tubos de vácuo que eram o meio utilizado para canalizar os eletrões. 

O autor norte-americano James Jay Carafano explica no livro Wiki at War “que os novos transístores sólidos surgidos na década de 1960 eram mais pequenos, precisavam de menos potência e eram bem mais rápidos”. E tudo começou com a Força Aérea dos EUA, já que foram eram eles a promover o desenvolvimento dos transístores a pensar no espaço reduzido disponíveis nos seus aviões. 

“Estes transístores são maravilhosos e permitem-nos miniaturizar a parte eletrónica que custa tanto de transportar num míssil”, recordava na altura F. M. Scherer, autor de um estudo sobre a aquisição de material para a Defesa. Foram feitos dezenas de projetos de investigação para criar circuitos integrados mais pequenos e que pudessem ser produzidos comercialmente, pagos pela Força Aérea. Mas houve um que se destacou, desenvolvido pela empresa Fairchild Camera and Instrument Corporation – conhecida por fornecer câmaras durante a II Guerra Mundial e Guerra Fria a pensar na espionagem.

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A equipa inicial da Fairchild, onde se destacam os cientistas Gordon Moore (o primeiro à esquerda) e Robert Noyce, ao meio, os fundadores da Intel

A liderar os avanços tecnológicos na empresa logo a partir de 1958 estava uma equipa invejável de investigadores onde se destacavam o autor de relevante Lei de Moore, o químico Gordon Moore, bem como o físico Robert Noyce, considerado o criador do primeiro microchip e que é mesmo apelidado de “Presidente da câmara de Silicon Valley”. O nome dessa zona da Califórnia onde se desenvolveram algumas das empresas mais relevantes das últimas décadas é uma homenagem aos avanços tecnológicos permitidos pelo chip de silicone criado pela equipa da Fairchild. 

O sucesso foi tal que a Fairchild passou mesmo a chamar-se Fairchild Semiconductor. A empresa tinha fortes ligações à Universidade de Stanford, na Califórnia e foi dali que a empresa lançou comercialmente, em 1961, o primeiro circuito integrado com chips de silicone muito graças aos esforços de Royce e companhia, que a Força Aérea usou inicialmente em computadores e em mísseis. Curiosamente, Royce e Moore saíram da Fairchild em 1968 para criar aquele que veio a tornar-se num gigante mundial de chips, a Intel.

Robert Noyce, o criador do primeiro microchip

O revolucionário chip semicondutor de silicone integrava, assim, o chamado circuito integrado, onde todos os componentes eram feitos de um semicondutor. “Trata-se de um material com propriedades condutivas entre um condutor e um isolante – materiais que podem direcionar os eletrões como acontecia no tubo de vácuo, mas muito mais pequenos”, escreve Carafano.

Isso permitia que um chip do tamanho de uma unha tivesse centenas, depois milhares, depois milhões de transístores individuais ao contrário de um tubo de vácuo do tamanho de um dedo, isto sem precisar de partes individuais ou de fios. Os semicondutores evoluíram da tecnologia militar para a civil e passaram rapidamente de soluções caras para tecnologia extremamente barata que hoje pode integrar qualquer tipo de sensores, seja em caixotes de lixo ou lugares de estacionamento numa cidade, por exemplo. 

Alcides Fonseca, professor e investigador em computação paralela da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, lembra uma lei muito referida nos anos 1990 para explicar esta evolução dos chips. A Lei de Moore baseia-se numa investigação de 1965 de Gordon Moore – cofundador da Fairchild e da Intel (nascida em 1968) – que indicava que o número de componentes num circuito integrado poderia duplicar anualmente durante 10 anos e, depois disso, passaria a duplicar a cada dois anos.

O professor admite que essa evolução já é diferente do que diz a lei, já que “o ritmo de aumento de transístores num chip pode duplicar de dois em dois anos, mas o calor gerado por tantos transístores no mesmo sítio cria problemas – daí que se optar por mais núcleos num processador, já que embora não façam algo mais rápido, permitem fazer mais coisas em simultâneo”. Essa também é a convicção da investigadora do MIT Alex Wright-Gladstein, cujas descobertas relativamente a chips falamos de seguida.

Fonseca dá o exemplo do último iPhone 11 Pro e do seu processador A13, para explicar como este tipos de chips têm evoluído e que, embora um processador possa ter muitos núcleos (cores), eles têm naturezas distintas e fazem coisas diferentes. “O novo iPhone tem no A13 seis núcleos, em que dois são mais rápidos do que os outros quatro, que são mais eficientes em termos de consumo de energia – todas as combinações são possíveis em termos de quais é que estão ativos”. 

O especialista adianta que quando o telefone executa coisas simples, usa os processadores mais lentos para poupar bateria, quanto se joga um jogo mais exigente “ativa todos porque precisa da potência máxima e“ainda vai buscar quatro núcleos da chamada placa gráfica, para gerar o que vemos no ecrã”.

Existem ainda oito núcleos neuronais no iPhone, que incluem técnicas de machine learning que já permitem melhorar a qualidade das fotos e vídeos em tempo real. “Daí que quando filmamos um vídeo com um telefone, hoje em dia, estamos a usar vários tipos processadores, só para filmar são os processadores normais que executam todo o tipo de tarefas, os processadores gráficos mostram-nos no ecrã o vídeo que estamos a fazer e os neuronais ajustam a luminosidade ou o foco através de machine learning”. Alcides Fonseca admite que hoje temos nos nossos bolsos o que seria considerado um supercomputador há uns anos.

Nunca houve a nível tecnológico na história da humanidade uma onda tão rápida de redução de custos, aumento de simplicidade e crescimento de fiabilidade e eficácia quanto a que os computadores (hoje um pouco por todo o lado, incluindo nos wearables como auscultadores de ouvido sem fios até aos smartwatches) navegaram.

A história dos chips de silicone são centrais ainda na criação da chamada Internet 2.0, evidencia ainda Carafano. Sem a criação do tal semicondutor integrado, a tecnologia computadorizada não teria feito a transição para ser uma ferramenta de ligação social entre humanos – onde a imediatez e facilidade de envio de texto, áudio e vídeo também trouxe desafios sociais e de privacidade inesperados. O chip tornou, desta forma, o computador acessível a uma grande parte da humanidade.

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O futuro da computação: chips com luz

Como já vimos, existem limites para a rapidez dos processadores atuais. “Se queremos ter mais potência é necessário ter um sem número de processadores ligados entre si, daí que os supercomputadores sejam 20 máquinas iguais às mais rápidas que temos aqui na Universidade de Lisboa que já têm dois processadores, cada com seis núcleos (teoricamente permite fazer 24 tarefas em simultâneo), todas ligadas por fibra ótica”, explica Alcides Fonseca.

Daí que a investigação para outras formas de fazer computação continue a ser importante. Além da mediática computação quântica (ver caixa), um das soluções mais prometedoras foi cocriada pela norte-americana Alex Wright-Gladstein, cujo trabalho no MIT de Boston levou à criação da startup Ayar Labs. 

Alex Wright-Gladstein

Já apelidada por publicações especializadas como “o futuro da computação”, esta é uma solução com chips que usam luz para transmitir os dados, embora se trate na mesma de uma computação eletrónica. “Estamos a desenvolver chips optoeletrónicos que permitem reduzir a energia gasta na computação e aumentar a velocidade que já não era possível alcançar com os transístores de cobre. É um design único com componentes que transmitem os dados usando ondas de luz, mas onde mantemos o uso dos chips de silicone”, explica a CEO da empresa que já começou a aplicar os avanços feitos em centros de dados de gigantes como Facebook e Amazon (ainda em fase de testes). 

Wright-Gladstein admite que é possível reduzir os gastos energéticos até 95% nas comunicações entre chips e aumentar a rapidez até 10 vezes do que os chips de cobre graças à investigação já com 10 anos. Embora não possa revelar pormenores dos testes feitos, nos centros de dados dos gigantes tech têm conseguido reduzir o consumo energético entre 30 a 50%. “Neste momento há um bloqueio nos centros de dados grandes em relação à rapidez de transmissão de dados que esperamos melhorar significativamente”.

A doutorada do MIT que criou a empresa com outros dois colegas da universidade admite que o objetivo é levar estes chips para os supercomputadores, mas também carros autónomos, aparelhos médicos ou de realidade aumentada onde além de melhorar a potência de computação: “podemos tornar estas tecnologias mais baratas e acessíveis”. “Estamos entusiasmados com o que esta tecnologia poderá desbloquear no futuro”, admite.

A investigadora Elvira Fortunato
Global Imagens

Chips em papel made in Portugal

Há soluções bem criativas no mundo dos chips, para outros tipos de uso e, uma delas, está a ser desenvolvida em Portugal e permite criar um papel eletrónico (Paper-E) que chegou já a finalista do Prémio Inventor Europeu do Ano, em 2016. Elvira Fortunato lidera a equipa da Universidade Nova de Lisboa (UNL) que criou estes transístores com papel, uma descoberta que irá permitir a criação de sistemas eletrónicos descartáveis a baixo custo que vai ajudar a explorar de forma mais fácil a chamada Internet das Coisas. 

A solução usa celulose em vez de materiais à base de silício e, embora não seja uma opção tão boa a nível de rapidez e desempenho de computação, “permite o fabrico de electrónica em substratos flexíveis que se podem conformar a uma determinada forma sem que as propriedades de funcionamento sejam alteradas e explorar novas aplicações tais como mostradores de baixo custo, etiquetas inteligentes para utilização em embalagens ou sistemas de segurança, chips de identificação ou aplicações médicas das quais se destacam os testes rápidos de diagnóstico para glucose, ácido úrico e colesterol, entre outros”. 

O segredo acaba por estar nas tintas que são impressas no papel. “Em vez de usarmos as tintas apenas para dar cor, usamo-las também com outras funções, tais como propriedades condutoras ou semicondutores, utilizando sempre materiais e tecnologias sustentáveis”, explica a investigadora premiada que também é vice-reitora da UNL e acredita que este trabalho vai chegar ao comum dos mortais num futuro se calhar mais próximo que o que se imagina. Tal está a ser concretizado com o recém criado laboratório colaborativo AlmaScience, associação coordenada pela Imprensa Nacional Casa da Moeda e que integra os seguintes associados: Navigator, Clara Saúde, Raíz, Fraunhofer e FCT NOVA, esperando que num futuro próximo outros associados se juntem a esta iniciativa como foi o caso da Câmara Municipal de Almada. 

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google computador quântico
Sundar Pichai, CEO da Google ao pé de um dos computadores quânticos da empresa no laboratório de Santa Barbara (California). Crédito: Google

E tudo a computação quântica quer levar

Há muito que se fala na promessa revolucionária da computação quântica, que poderá mudar a forma como as máquinas funcionam e processam informação, desbloqueando mais valias inimagináveis para a ciência, saúde, logística e economia. Alcides Fonseca admite a dificuldade maior neste momento “é manter a qualidade das leituras porque os qubits mudam o jogo como o conhecemos”. E o que são os qubits? Ao contrário dos bits num computador digital, que registam 1 ou 0, os bits quânticos – conhecidos como qubits – podem ser ambos ao mesmo tempo.

Ou seja, têm um processamento completamente diferente dos computadores atuais, onde juntam outro fenómeno quântico conhecido como entrelaçamento, através do qual os qubits podem influenciar outros aos quais nem sequer estão conectados. Essa possibilidade abre caminho a que os sistemas consigam lidar com problemas muito mais complexos.

Recentemente a Google anunciou que o processador quântico da empresa pode executar “em três minutos e 20 segundos, um cálculo que o computador clássico mais avançado de hoje, conhecido como Summit, levaria aproximadamente 10 mil anos” – uma demonstração da supremacia quântica, de acordo com os investigadores. 

Yasser Omar, um investigador português do Instituto de Telecomunicações e do Instituto Superior Técnico, membro do grupo internacional Physics of Information and Quantum Technologies, explica-nos que embora a promessa revolucionária seja real, “a área ainda está na sua infância e pode demorar alguns anos a ter efeitos práticos na sociedade, dependendo de como a tecnologia evolui”. 

A Intel, já este dezembro, anunciou um chip chamado Horse Ridge feito para computadores quânticos que promete dar soluções para simplificar estes aparelhos complexos. Em vez de um sem número de fios, a ideia é concentrar tudo num chip do tamanho de um pires de chá que pode ficar dentro da zona refrigerada onde os qubits podem ser transmitidos de forma mais fiável. A solução promete ajudar a tornar estes computadores uma realidade para usos mais práticos e convencionais do que tem sido possível até agora.

Tudo o que sempre quis saber sobre “a magia da computação quântica”

Computação biológica e companhia

Neste mundo da investigação sobre a computação do futuro há ainda mais algumas soluções que podem ter aplicações práticas interessantes – várias foram faladas numa conferência em julho, no Porto, intitulada Future of Computing e que incluiu vários especialistas. A computação biológica, por exemplo, pretende incluir mecanismos biológicos – vírus ou bactérias – que poderão ter programação que poderá desde mudar o ADN humano ou animal, mas também incluir instrumentos biológicos programados para levar determinadas coisas a certas partes do corpo.

Há ainda investigações em torno de redes neuronais feitas em vidro, onde se projetam imagens num vidro especial que funciona como rede neuronal (sem computador nem placa gráfica) e do lado de lá do vidro sai a resposta. Também há soluções que tentam usar luz para substituir o silicone no processamento dentro dos chips (um pouco diferente da solução da Ayar Labs que referimos).

Computação quântica. Não é ficção, é a nova grande corrida tecnológica