Os portugueses que põem as colunas da Amazon a falar connosco

Defined Crowd | Wired
Foto: Gerardo Santos / Global Imagens

A DefinedCrowd é uma das quatro empresas que ajudam a desenvolver as ferramentas para o sistema Alexa, da Amazon. A startup portuguesa está entre as mais conceituadas do mundo na área da inteligência artificial. Esta tecnologia vai fazer a diferença sobretudo quando estivermos a conduzir ou quisermos saber informações sobre o que nos rodeia.

Alexa, podes dizer-me como está o tempo em Aveiro? – Hoje podemos esperar céu pouco nublado e uma temperatura de 28 graus.” Para conseguir ter dados tão precisos, há uma startup portuguesa que está a trabalhar com a gigante tecnológica norte-americana Amazon para melhorar constantemente o seu assistente pessoal por voz e que funciona através de inteligência artificial.

A DefinedCrowd é apenas uma das quatro empresas a nível mundial que participam no programa da Amazon para ajudar programadores a verificar a estabilidade das ferramentas criadas para a Alexa e os dispositivos associados a este sistema.

“Fornecemos serviços para que clientes como as empresas de meteorologia possam detetar as várias formas que as pessoas têm para comunicar com os dispositivos. Recebemos os dados das empresas e depois treinamos e adaptamos a Alexa aos vários idiomas”, explica Stephen Rauch, vice-presidente de produto da DefinedCrowd.

“Os assistentes pessoais enfrentam um grande desafio porque todos falamos de forma diferente e temos sotaques diferentes. Neste caso, temos de treinar a Alexa para ter uma conversa com as pessoas nos mais variados serviços que fornece”, assinala o antigo quadro de empresas como Microsoft, HBO e Starbucks.

DefinedCrowd

A startup portuguesa consegue trabalhar em 46 idiomas os dados facultados pelas empresas. “Há muitas maneiras de perguntar como está o tempo. Tecnologia como a nossa é essencial porque podemos chegar a todo o mundo e a todo o tipo de turistas que estão a visitar o nosso país e que necessitam de informações sobre a cidade que estão a conhecer”, acrescenta o especialista norte-americano.

A DefinedCrowd recolhe dados como conversas, pesquisas nos motores de busca e perceção de nomes, marcas e verbos em determinadas ações. Esta informação é obtida através de ferramentas e aplicações instalados nos smartphones de mais de 45 mil pessoas inscritas na plataforma nascida em Portugal. Depois desta recolha, os dados são “limpos” pela startup portuguesa.

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Mas o uso de reconhecimento de voz não serve só para nos dizer como está o tempo. Serviços financeiros, saúde, mobilidade e energia são quatro áreas por onde este mercado deverá crescer fortemente nos próximos anos. A tecnologia de reconhecimento de voz poderá valer 18,3 mil milhões de dólares (15,8 mil milhões de euros) em 2023, três vezes mais do que no final do ano passado, segundo um estudo da consultora MarketsandMarkets divulgado em 2017.

Stephen Rauch, vice-presidente de produto da DefinedCrowd, num dos escritórios da empresa com uma coluna Amazon Echo ao seu lado. Foto: Gerardo Santos / Global Imagens

Este crescimento deve-se à expansão de serviços como a Alexa. Além das colunas, o sistema da Amazon já começou a ser integrado, por exemplo, nos dispositivos multimédia que equipam os carros da Seat e da BMW. A Alexa vai ajudar os condutores a gerir melhor a sua agenda, a encontrar novas músicas, a localizar pontos de interesse e mesmo a ler notícias em tempo real. Este tipo de sistemas permite também que o condutor esteja mais atento à estrada, o que reduz o potencial de acidentes.

Ligação com a Amazon

Amazon e DefinedCrowd conhecem-se pelo menos desde 2016. Em setembro desse ano, a empresa de Jeff Bezos participou na ronda de financiamento de 1,1 milhões de dólares da startup portuguesa, através do Alexa Fund. Este veículo de investimento de capital de risco serve para acelerar o desenvolvimento de tecnologia inovadora na área da voz e que conta com cem milhões de dólares de orçamento. Mas este foi apenas o início de uma relação entre a startup fundada por Daniela Braga e a Amazon.

O acordo foi reforçado em março deste ano, quando a DefinedCrowd foi uma das quatro empresas selecionadas para desenvolver as ferramentas da Alexa. A startup de Daniela Braga é a única representante portuguesa.

DefinedCrowd

Trata-se de uma “ligação natural” entre as duas empresas, considera Stephen Rauch. “A Amazon é uma das nossas investidoras, pelo que há uma relação que foi estabelecida a partir daí. As Alexa skills são conduzidas por voz. E, na DefinedCrowd, muitas das nossas ferramentas têm que ver com isso: as soluções de machine learning [aprendizagem através da interação] permitem treinar o sistema e, graças a isso mesmo, conseguimos melhorar a interatividade.”

Além da ligação tecnológica, as duas empresas também reforçaram os laços financeiros no final de julho. A tecnológica norte-americana foi uma das entidades que voltaram a apoiar a empresa portuguesa, ao participarem na série A da DefinedCrowd, que recolheu um total de 11,8 milhões de dólares (10,1 milhões de euros). O reforço da plataforma portuguesa, que ajuda os programadores a lidar com o kit Alexa Skills é um dos objetivos desta injeção de capital.

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O kit Alexa Skills é uma solução da Amazon para que os programadores possam acrescentar novas ferramentas ao sistema de reconhecimento de voz. É um kit self-service que contém API (interfaces de programação), documentos e amostras de código para melhorar os conhecimentos do sistema da Amazon.

Fundadora portuguesa

A DefinedCrowd nasceu em agosto de 2015 graças a Daniela Braga, que já sabia, na altura, a importância dos dados para o mercado de reconhecimento de voz. A professora universitária e investigadora no Porto e em Espanha tinha uma experiência acumulada de sete anos nos escritórios de Portugal, China e Estados Unidos da Microsoft e tinha liderado uma equipa de 15 pessoas numa empresa de soluções de voz para a indústria automóvel nos Estados Unidos.

Daniela Braga DefinedCrowd
Daniela Braga é a líder da DefinedCrowd, considerada como uma das startups mais promissoras na área do processamento de linguagem natural. Foto: Orlando Almeida / Global Imagens

Foi em agosto de 2014 que surgiu a ideia de fundar a startup portuguesa, que atraiu o investimento da Amazon. “Esta parceria é um grande orgulho e é um passo importante na cimentação do nosso posicionamento enquanto empresa número um de dados para inteligência artificial. Não só reforça a nossa validação de mercado, mas também atesta a qualidade do nosso serviço. É ainda uma confirmação adicional da confiança da Amazon em nós, em complemento com o investimento que já realizaram na DefinedCrowd” – refere a empreendedora portuguesa à Insider.

A startup divide-se atualmente em três países: em Portugal, tem escritórios em Lisboa e no Porto dedicados à pesquisa e desenvolvimento; nos Estados Unidos, conta com um espaço em Seattle, onde se encontra uma equipa de vendas e que gere as áreas administrativa e financeira; mais recentemente, em abril, a DefinedCrowd instalou-se em Tóquio, no Japão, para aumentar o negócio e reforçar a presença no mercado asiático, cada vez mais importante.

Graças a estes quatro escritórios, há 40 pessoas que já trabalham para a DefinedCrowd e a equipa vai duplicar nos próximos meses com as vagas abertas para Portugal, Estados Unidos e Japão.

A tecnológica portuguesa quer ser a empresa de referência em áreas como a indústria automóvel. “Aqui, o que é preciso é navegar bem na Europa, sobretudo quando se muda de país. Um GPS não precisa de saber dos dados das bolsas; precisa é dos nomes atualizados das ruas e dos espaços e pontos de interesse à volta. É tudo uma questão de dados. Só se pode ser excelente num domínio.”

No domínio dos dados, Portugal prepara-se para lutar contra gigantes como a Google e a Microsoft, “que estão a tentar ser bons em todas as áreas”.

*Este artigo foi originalmente publicado na edição de agosto/setembro de 2018 da revista Insider com o título ‘Portugueses que põe colunas a falar connosco’