Bruxelas quer “pôr ordem no caos” do digital com novas regras e multas pesadas

Vestager
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A Comissão Europeia apresentou as propostas de regras a aplicar à atividade das plataformas tecnológicas na Europa, que contemplam multas que podem chegar a 10% da faturação, e medidas mais graves, como o desmembramento de uma empresa.

União Europeia volta a apertar o cerco à atividade das plataformas tecnológicas. Margrethe Vestager, a responsável europeia que já aplicou multas milionárias às tecnológicas norte-americanas, apresentou esta terça-feira as propostas para o Ato dos Mercados Digitais e Ato dos Serviços Digitais, referindo que é tempo de “pôr ordem no caos”.

“As duas propostas servem um único propósito: garantir que, enquanto utilizadores, temos acesso a uma escolha alargada de produtos e serviços online seguros e que os negócios a operar na Europa podem competir de forma livre e justa no online, tal como acontece no offline. Este é um mundo só. Devemos poder fazer as nossas compras de uma forma segura e confiar nas notícias que lemos, porque aquilo que é ilegal offline também deve ser igualmente ilegal online”, afirmou a comissária europeia para a Concorrência.

Cada proposta quer responder a diferentes preocupações do panorama digital. Enquanto o Ato dos Mercados Digitais (Digital Markets Act) está mais focado na perspetiva dos negócios no digital e na concorrência, o Ato dos Serviços Digitais (Digital Services Act) compreende regras para evitar conteúdos ilegais online e garantir maior transparência na forma como as plataformas funcionam.

As propostas de novas regras sublinham, em diversas ocasiões, as vantagens do mercado e dos serviços digitais, ao mesmo tempo em que tentam compreender os efeitos que a digitalização tem tido “nos direitos fundamentais, concorrência e, de forma geral nas sociedades e economias”, nota a Comissão. Bruxelas sublinha que as novas regras têm em conta “os valores europeus”, ao mesmo tempo em que apoiam “as plataformas mais pequenas a escalar, os negócios de pequena e média dimensão e as startups”.

Das multas à separação estrutural

No Ato dos Mercados Digitais, a proposta divulgada cria uma nova denominação para as plataformas – gatekeepers. Embora não especifique empresas, são definidos alguns critérios para uma companhia ser incluída nesta definição, nomeadamente deter uma posição económica forte, impacto significativo no mercado interno ou atividade em vários Estados-membros; ter ou estar prestes a atingir uma posição duradoura no mercado ou ainda ser um intermediário considerável, ligando “uma grande base de utilizadores a um grande número de negócios”. Na mira, embora nunca referidas, estão as gigantes Google, Apple, Facebook e Amazon.

Bruxelas considera que quando um gatekeeper tem práticas comerciais injustas está a “impedir ou a atrasar serviços inovadores de chegar aos utilizadores”, exemplificando com práticas como o uso injusto de dados ou situações onde um utilizador está “preso” a um serviço particular ou tem opções limitadas para escolher outro.

A proposta aponta que as regras serão aplicadas a “negócios mais propensos a práticas injustas, como motores de pesquisa, redes sociais ou serviços de intermediação online”, que cumpram os critérios para ser um gatekeeper. O DMA (sigla em inglês para Ato dos Mercados Digitais) define que a Comissão Europeia estará também dotada de poder para, após uma investigação, considerar determinada empresa como um gatekeeper.

O texto determina que as grandes tecnológicas estarão proibidas de impedir que os utilizadores desinstalem software ou aplicações já instaladas nos produtos e que deixem de promover ou favorecer os seus produtos ou serviços próprios, nomeadamente através de um posicionamento que seja mais visível para os utilizadores.

Comportamentos que impeçam os consumidores de aceder a outros negócios fora das plataformas dos gatekeepers estarão também proibidos, propõe a Comissão Europeia. Caso pretendam adquirir outras empresas também haverá uma obrigatoriedade de informar as autoridades europeias.

Mas uma das características mais marcantes desta proposta diz respeito às multas a aplicar. Caso uma empresa não atue de acordo com as regras europeias, o regulador poderá passar a aplicar multas que podem ir até aos 10% do volume de negócios global de determinado gatekeeper. Há ainda a possibilidade de penalizações periódicas que podem chegar aos 5% da média de faturação diária.

As sanções serão agravadas para quem for reincidente no comportamento, chegando ao ponto de serem aplicados remédios adicionais, “proporcionais à infração cometida”. Neste campo são mencionados remédios estruturais, nomeadamente a divisão do negócio ou de partes da empresa.

Durante a intervenção que fez na Web Summit, no início do mês, Vestager considerou os remédios estruturais como soluções de último recurso, já que podem ser vistos como algo demasiado intrusivo para um negócio. “Não temos medo de soluções estruturais”, assegurou, para logo considerar que a UE é “mais relutante no uso desta prática porque é uma questão muito intrusiva para uma empresa”. Tendo em conta o sistema capitalista, “onde a propriedade privada é algo fundamental”, Vestager receia que “uma solução deste tipo possa chegar longe demais”, disse na conferência.

Ato dos Serviços Digitais com regras específicas para grandes tecnológicas

Ao abrigo desta proposta, Bruxelas estipula que as regras sejam aplicadas a todos os “serviços digitais que ligam consumidores a bens, serviços ou conteúdos”, sendo que neste último campo são incluídos novos processos para a “remoção de conteúdos ilegais mais rápida e uma proteção mais abrangente dos direitos fundamentais dos utilizadores online”.

As plataformas passam a estar obrigadas a ser mais transparentes nos processos (incluindo algoritmos), a disponibilizar dados aos investigadores e ainda a ter uma maior responsabilidade nos mercados online, nomeadamente no rastreamento de bens ilegais.

No caso das plataformas de grandes dimensões – o critério definido é o de chegar a 10% da população da UE (45 milhões de utilizadores) – haverá não só novas regras a cumprir, mas também uma nova estrutura de supervisão. A Comissão Europeia indica que “este novo enquadramento será composto por um quadro de Coordenadores de Serviços Digitais nacionais, que vão ter poderes específicos para supervisionar as grandes plataformas – incluindo a possibilidade de aplicar sanções diretamente.

As multas a aplicar no Ato dos Serviços Digitais às grandes plataformas “não podem exceder os 6% do volume de negócios total no ano fiscal em que a plataforma tenha sido negligente”. Nos restantes casos, as medidas serão proporcionais “à natureza e gravidade da infração”.

O que acontece agora?

As propostas apresentadas foram redigidas pela Comissão Europeia após conversações com vários participantes do mercado digital, ao longo deste verão, nota o texto divulgado por Bruxelas. A consulta pública desta iniciativa decorreu entre junho e setembro deste ano, tendo recebido mais de três mil respostas, nota a Comissão Europeia.

O próximo passo envolve a discussão das propostas por parte do Parlamento Europeu e entre os 27 Estados-membros da União Europeia. Caso este pacote legislativo seja adotado, o texto final será aplicado em todo o território da UE.

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