Pode parecer um conto de fadas, mas é uma história bem real. Wendell Lira marcou o golo de uma vida e isso mudou para sempre aquilo que queria ser.
Recebe a bola de pé esquerdo e faz um passe curto, rasteiro, com o pé direito. Ainda se faz à bola para tentar completar a triangulação, mas deixa passar. Enquanto corre para a frente, vê um colega de equipa fazer um passe picado. Wendell Lira sabe que tem vantagem sobre a defesa adversária e que não tem a melhor posição para receber a bola. Qual Tsubasa, rodopia sobre si próprio e aplica um pontapé de bicicleta na bola.
Wendell Lira nunca mais vai esquecer o golo que marcou pelo Goianésia, clube que representava, no jogo frente ao Atlético Goianense em março de 2015. O mundo também não. O jogador brasileiro ganhou o Prémio Puskas atribuído pela FIFA, um galardão destinado ao melhor golo do ano num jogo de futebol.
Aquele momento foi de viragem para Wendell Lira: colocou no estrelato um jogador que até então era desconhecido fora do Brasil. Foi falado em todo o mundo, saiu provavelmente em todos os jornais desportivos e pareciam estar reunidas todas as condições para dar um salto na carreira.
O salto aconteceu de facto, mas talvez não na direção que a maioria das pessoas esperava: em vez de rumar para um clube europeu de maior dimensão, Wendell Lira decidiu pendurar as chuteiras e tornar-se jogador profissional de futebol digital.
“Joguei futebol profissional a minha vida inteira. Depois de ganhar o Prémio Puskas, abriu-se a porta para trabalhar na parte de imagem, de youtuber, onde não tens limite de carreira. Posso trabalhar 40 ou 50 anos. Já no futebol teria mais três ou quatro anos, não sei até quando poderia jogar. Optei por jogar nos eSports e no YouTube”, contou o brasileiro em entrevista à Insider.
A decisão tomada por Wendell Lira foi totalmente orientada para o futuro. “Penso que os eSports, o mundo digital, começa a crescer cada vez mais e é a profissão do futuro. O futebol apesar de ser muito gostoso, tem uma data limite para poderes jogar”.
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Ainda que este seja o pensamento de Wendell Lira, a realidade acaba por ser um pouco diferente. Os jogadores de elite de desportos eletrónicos estão entre aqueles que se ‘reformam’ mais cedo – normalmente acontece entre os 25 e os 27 anos. Esta é uma ideia que Wendell Lira descarta para si.
“Com o tempo vou ganhando cada vez mais experiência e vou ficando cada vez melhor”.
É verdade que o jogo de futebol digital FIFA não exige a mesma destreza e capacidade de resposta de um jogo como Counter Strike, mas exige capacidade de concentração e nervos de aço para resistir à pressão dos maus momentos.
Como divide o seu tempo entre campanhas publicitárias, presenças em eventos e torneios profissionais, o dia-a-dia de Wendell Lira nunca é igual. Mas normalmente, revela à Insider, acorda cedo, vai “malhar” para o ginásio e depois aproveita a tarde para treinar na consola.
Se estiver prestes a participar num torneio, então são seis a sete horas de jogo por dia. Se não estiver em fase de competição, então por norma joga duas horas “mais por diversão”.
De vez em quando, diz, sente saudades do cheiro da relva molhada, mas está convencido de que tomou a opção correta para a sua carreira enquanto desportista. “Acho que parei no momento certo da minha carreira. Fui feliz, agradeço ao futebol, mas terminei a minha carreira feliz e não sinto tantas saudades”.
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Para terminar, perguntámos a Wendell Lira se já teria marcado no FIFA algum golo que lhe tenha trazido tantas emoções fortes como aquele que descrevemos no início do texto.
“Não, não. Aquele golo foi o único que ficou marcado na minha vida. Acho que vou agradecer sempre por esse momento que é único na minha vida, agradeço a Deus por ter feito aquele golo, porque realmente mudou muito a minha vida”.
Um dia chegará também o momento em que um golo numa competição de eSports de FIFA mudará para sempre a vida de alguém – e quem sabe, abrir-lhe-á as portas para o mundo do desporto físico.
Jornalistas: Rui da Rocha Ferreira e Nuno Taborda