O digital é uma carta na manga para a cidadania ou campo de batalha?

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Fonte: Pixabay

Não é preciso recuar muitos anos até um tempo em que as conversas sobre política eram tema tabu em Portugal ou quando um acontecimento do outro lado do mundo demorava largas horas a chegar. No século XXI, o panorama é bem diferente e as discussões sobre cidadania ou política são feitas noutro patamar: o do mundo digital.

O Facebook ou Twitter passaram a ser espaços onde é possível discutir ideias – com tudo o que isso tem de bom e de mau. Hoje em dia, o alcance de uma publicação nas redes sociais é bem mais extenso do que as oportunidades disponíveis no mundo analógico – os cartazes estão limitados à sua localização estratégica e dimensões, por exemplo. Uma publicação nas redes sociais? Nem por isso.

Também é possível apresentar rapidamente uma petição online, dizendo adeus aos tempos em que precisava de ser assinada porta a porta. E as plataformas digitais trazem outra mudança: a possibilidade de acompanhar aquilo que se passa do outro lado do mundo, em tempo real.

Ana Isabel Xavier, professora e investigadora da área de Relações Internacionais na Universidade Autónoma de Lisboa e no ISCTE, destaca que “as redes sociais se assumem como uma forma de mobilização e que podem servir até como megafone daquilo que são as causas”.

Além disso, o panorama digital traz ainda outro admirável mundo novo: “o cidadão tem a capacidade de influenciar políticas públicas, aceder a sites para ter informação detalhada sobre eleições e sondagens, consultar programas e iniciativas… num simples clique ter o mundo todo”.

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Nos últimos anos, o mundo digital permitiu a troca de ideias, criação de comunidades e, de uma forma geral, o acesso à informação de uma forma democratizada. Na última década, são já vários os casos de movimentos que começaram como um simples grupo ou evento nas redes sociais, onde alguém deu uso à voz – mesmo que fosse virtual.

Para Ana Isabel Xavier, acontecimentos como a Primavera Árabe, em 2011, são a prova viva de como acontecimentos de outros países foram sentidos em tempo real – “tornaram-se focos de atenção para aquilo que se estava a passar – e as redes sociais conseguiram uma mobilização sem precedentes”, gerando forte empatia noutros países. Por cá, quem é que não se lembra de fenómenos como a manifestação da “Geração à Rasca”, que juntou milhares de pessoas nas ruas, em 2011? O protesto saltou das redes sociais, onde mais de 60 mil pessoas confirmaram presença, para manifestações que encheram as ruas de várias cidades portuguesas.

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Mas nem tudo é positivo no mundo digital. Ana Isabel Xavier reconhece que a tecnologia deu “aos cidadãos a possibilidade de, através de diferentes plataformas e formatos, terem uma voz e influenciar as políticas dos seus estados e políticas internacionais”, mas também tem vindo a sofrer alterações. “O problema é que, nos últimos anos, temos percebido que o digital se está a tornar um campo de batalha, desde logo pela desinformação.

A investigadora prefere o termo ‘desinformação’ a ‘fake news’. “Fake news é uma contradição, se é uma notícia não é falsa”, sublinha. “Estar a investir na expressão é estar a dar-lhe força; a primeira forma de lutarmos contra a desinformação é não falar de ‘fake news’”, diz Ana Isabel Xavier. A professora e investigadora refere que é importante “falar em mais informação e melhor informação”, principalmente a um mês das eleições europeias.

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“A literacia digital é importante para perceber o que é o jornalismo e o que é desinformação”, alerta, reforçando que as possibilidades digitais não trazem só “influência no curso da história” – também implicam “uma maior responsabilização dos cidadãos”.

(Este artigo foi publicado na revista 1864, com o tema Slogan, parte integrante do Diário de Notícias, no dia 20 de abril de 2019)