Matt Brittin é o homem forte da Google na Europa. Sob a sua liderança, a tecnológica já fez vários investimentos em Portugal e há mais a caminho. Agora, a sua missão ficou mais difícil: o Android vai mudar, o YouTube não será o mesmo e o Google News pode até acabar.
Quando Matt Brittin ia explicar por que razão a Google discorda da multa de 4,3 mil milhões de euros imposta pela Comissão Europeia – por considerar que o sistema operativo Android prejudica a concorrência -, o ar condicionado da sala disparou um barulho tão intenso que parecia um pequeno tremor de terra. “Isto é interessante… deve ser a comissária [Margrethe Vestager] a passar”, brincou o presidente de negócio e operações da Google para a Europa, Médio Oriente e África (EMEA).
O que foi deliberadamente um momento de descontração, arrancando risos a quem estava nesta sala, durante a Web Summit, é uma analogia quase perfeita do momento delicado que a Google atravessa na Europa, por estar na mira dos reguladores. Algo que não tem sido um entrave para Portugal, onde a gigante norte-americana continua a apostar forte.
Do centro internacional de serviços em Oeiras à iniciativa Atelier Digital, que já deu formação digital a mais de 40 mil pessoas, passando pela aposta que está a ser feita na área da cloud. Em exclusivo à DN Insider, Matt Brittin confirmou um novo grande investimento: os mil programadores Android que a empresa tenciona formar em Portugal afinal vão ser três mil.
A Google tem feito uma grande aposta em Portugal nos últimos anos: o centro internacional de serviços de Oeiras, o programa para treinar mil programadores Android, o Atelier Digital, também na Google Cloud. A questão é: porquê toda esta atenção para Portugal?
Adoramos Portugal. Temos uma equipa em Portugal há mais de dez anos e estás certo em dizer que no último ano e meio temos investido muito mais. Abrimos aqui o centro de operações internacionais e agora temos algo como 550 pessoas a trabalhar em Portugal.
Porquê? Pensamos que é uma boa base, há bom talento, é um local para onde as pessoas querem vir viver e trabalhar. O facto de a Web Summit estar aqui, penso que enfatiza para muitas pessoas o local atrativo que Portugal é.
Celebrámos [no início de novembro] o 15º aniversário da Google em Dublin, onde está a nossa sede europeia, e temos vários milhares de pessoas lá que falam 70 línguas diferentes e que estão a servir países em toda a Europa, Médio Oriente e África.
Não sei como será o nosso investimento em Portugal ao longo do tempo, depende de termos sucesso. Penso que a oportunidade é de funcionarmos como um íman para outras empresas, para mostrar que existe confiança em Portugal. Penso que somos a maior empresa tecnológica em termos de investimento no número de pessoas que temos cá e, espero, vai encorajar outros a pensarem da mesma forma.
O Governo português teve algum papel nestes investimentos? No sentido em que foi atrás da Google e outros podem não tê-lo feito. Teve um papel importante?
Penso que o Governo não foi instrumental na escolha que fizemos, mas o Governo tem um papel em tornar um país atrativo para investimento e também um lugar atrativo para inovação.
Uma das coisas na qual os governos devem pensar é como ter um conjunto de políticas implementadas que atraiam, particularmente, jovens empreendedores e o tipo de pessoas que vão construir as aplicações, serviços e tecnologias de sucesso do futuro. O governo aqui parece estar comprometido com esta ideia e sobre como podem ter um papel nisto.
E depois não é só sobre o governo ter um papel em Portugal, é também influenciar a União Europeia e garantir que a UE tem políticas que permitam alguém começar o seu negócio aqui, escalar e chegar a 500 milhões de consumidores com apenas um livro de regras. Iniciativas como o Regulamento Geral da Proteção de Dados (RGPD) pretendem ajudar a tornar isto mais fácil.
O centro internacional de serviços de Oeiras já está a operar. Já está na capacidade total? Tinham falado na contratação de 500 pessoas.
Não faço a gestão do dia-a-dia, mas penso que estamos no nível que esperávamos estar, o que é bastante rápido. Espero que possamos aumentar ao longo do tempo, mas queremos garantir que está a correr bem e que está a entregar aquilo que é necessário.
Há planos para contratar mais pessoas?
Só com o tempo poderemos dizer.
Em junho, tivemos o anúncio de um programa para treinar mil programadores Android em Portugal. Na altura foram escassos em detalhes. Consegue dar-nos mais pormenores?
Definimos essa ambição, mas ficamos espantados com a procura pelo programa. Agora a equipa definiu como objetivo treinar três mil pessoas no desenvolvimento em Android. Como referiu, temos outros programas aqui. Uma das oportunidades para Portugal é garantir que as pessoas têm as capacidades técnicas que precisam.
Não é apenas sobre startups de tecnologia, mas todos os negócios podem ser negócios digitais. Se souberes como construir um website, fazer marketing online, usar a analítica para ajudar os clientes a navegar, encontrar o teu site e vender.
A nossa equipa já treinou, sob a iniciativa Atelier Digital, mais de 42 mil pessoas até agora. Muitos começaram os seus próprios negócios, arranjaram um novo trabalho ou foram promovidos e ajudam as empresas a crescer.
A última vez que estive aqui, encontrei-me com alguns empreendedores locais. Um bom exemplo é a Undandy, que é um fabricante de sapatos. O que adoro na história da empresa é que eles usam artesãos portugueses na produção de sapatos, mas também usam a tecnologia moderna para vender nos EUA, no Reino Unido e em toda a Europa, para muitos, muitos clientes.
Alguém que esteja a procurar sapatos pode encontrá-los no Google e entrar em contacto com eles. É uma das histórias de sucesso que mostra que a economia digital não é apenas para a tecnologia e para as startups, é na realidade para todos os negócios.
Mas quando é que o programa do treino de programadores Android vai começar e como vai funcionar? É que os detalhes são muito escassos.
Tenho de me informar com a equipa local, porque não estou totalmente familiarizado com o programa. Tivemos programas semelhantes noutros locais e aquilo que vimos foi uma boa variedade de pessoas a inscreverem-se para aprenderem a programar em Android.
A oportunidade é que podes desenvolver uma aplicação que pode funcionar em 1,8 mil milhões de dispositivos e esta oportunidade de escala é o mais importante. Depois damos os detalhes da iniciativa local. [NR: Pode ler mais detalhes sobre a iniciativa aqui]
Em termos financeiros, consegue dar-nos um número de quanto a Google investiu em Portugal nos últimos dois anos?
Não tenho um valor financeiro. Mas é superior aos 530 novos empregos e, obviamente, os custos que estão associados. É um investimento significativo, penso que é o maior de uma tecnológica internacional. A minha esperança é que traga mais.
A Google vai fazer novas apostas em Portugal?
A Google em Portugal e a nossa equipa aqui é toda sobre ajudar as pessoas a tirarem o maior partido da web, ajudar os empreendedores portugueses e os negócios a crescerem online. Vemos muito espaço para ajudar as pessoas. Estávamos a falar esta manhã sobre a indústria dos media em Portugal e como têm empresas que estão a começar a distribuir notícias em português em todo o mundo.
Vocês têm 270 milhões de falantes de português em todo o mundo. A oportunidade, se estás na indústria dos media em Portugal, é construir não apenas para a audiência portuguesa, mas para toda esta audiência da língua portuguesa.
A aceleração do número de pessoas que estão online e que querem encontrar bom conteúdo original significa que há uma enorme oportunidade para as pessoas na indústria dos media em Portugal.
Igualmente, há um desafio grande para a indústria dos media: os leitores e consumidores têm mais escolha do que nunca. Tens de lutar mais pela tua audiência para seres relevante, mas penso que é uma das oportunidades na qual a nossa equipa aqui está mesmo interessada.
Temos a Digital News Initiative (DNI), que é sobre ajudar as organizações de notícias a tirarem o maior partido das oportunidades digitais, e penso que Portugal teve mais do que a sua justa parte em termos de financiamento que foram feitos na DNI para ajudar as pessoas a inovarem, tentarem novas coisas e experimentarem a construção de novos modelos de sucesso para o futuro.
Está contente com os resultados do DNI? Porque não é apenas só dar dinheiro, também é sobre os resultados que estão a ser conseguidos.
A nossa equipa aqui está a trabalhar mais de perto com os projetos do que eu, mas há exemplos em que o financiamento ajudou os projetos a pensarem em escalar. Outro exemplo, ajudamos a investir na produção de vídeo, agora podes comunicar em múltiplos formatos. Ajudámos as empresas de media a perceberem como usar o vídeo no mundo digital, em vez de ser puramente na TV. Em alguns casos os projetos ainda estão em fase inicial, noutros já temos visto boas experiências e um bom progresso.
Estive recentemente no Google Campus Madrid, onde estão duas startups portuguesas a serem aceleradas num programa da Google. O ecossistema das startups em Portugal está a crescer e a Web Summit é um dos melhores exemplos. Têm planos para abrir um Google Campus para startups aqui em Portugal? Isso faz sentido para a Google?
Não, não planeamos abrir um aqui. Abrimos o Campus em Madrid há três anos e nessa altura, a cidade ainda estava a começar nas startups. O nosso objetivo lá era fazer algo que ajudasse a elevar o ecossistema. Em Portugal estamos numa fase diferente. Olha para a Web Summit: participam 70 mil pessoas e como referiste, há um ecossistema de startups em crescimento.
Não queremos fazer algo que apenas duplique o que já há, queremos ser úteis de outras formas e é por isso que o treino de programadores Android pode ser mais útil aqui. Tentamos ver como é que podemos fazer a diferença, positiva, relativamente ao que está a acontecer, em vez de repetir o que fizemos numa fase anterior e num mercado diferente.
Ainda relacionado com o tema das startups: há alguma startup portuguesa que esteja no radar da Google para investimento ou aquisição?
Obviamente não posso comentar isso. Mas estamos conscientes da qualidade e da variedade das startups que estão cá e é muito impressionante. Não adquirimos muitas startups, o nosso negócio é ajudar essas startups a escalar, crescer, e a usar as ferramentas que temos, seja o Google Cloud com machine learning, que é muito popular agora, ou seja no motor de busca, no Google Play, no Android ou no YouTube.
A maioria do que fazemos com as startups é ajudá-las a usarem as nossas ferramentas para crescerem mais depressa, exportarem mais, criarem postos de trabalho e serem bem sucedidas.
Mas já vimos a Google a fazer algumas apostas grandes na Europa, especialmente na área da inteligência artificial. Se houver uma startup portuguesa que encaixe nos planos da Google, podemos ver uma aquisição?
Sim, é possível. Mas como disse, o nosso objetivo primário é ajudar as startups a escalarem e é nisso que a nossa equipa aqui está focada.
Portugal está no radar da Google em várias áreas, mas não na parte do hardware. O país, o mercado, é demasiado pequeno para a Google vender tablets, Chromebooks e outros gadgets aqui?
Adoraria que vendêssemos tudo o que fazemos em todos os países e obviamente que Portugal seria uma prioridade. A maioria daquilo a que estão habituados da Google é aplicações, software e serviços. É muito mais rápido construir estes produtos e fazê-los funcionar em todos os países do mundo. Mas produtos como telemóveis, tablets e outros dispositivos, tens de aumentar a produção.
Felizmente, os nossos dispositivos são muito populares, mas não conseguimos passar de não fazer qualquer produto a vender centenas de milhões da noite para o dia. Infelizmente demora tempo. É bom que eles sejam populares e quero trazê-los para cá o mais rápido possível, mas demora tempo a aumentar a produção.
Porque às vezes as pessoas questionam o porquê de venderem em Espanha e não em Portugal…
Percebo e peço desculpa. Gostava de ter mais equipamentos disponíveis e vamos fazer o nosso melhor para aumentar a produção o mais rápido possível.
Vamos agora falar da Europa, onde a Google tem enfrentado alguns desafios sérios. Tivemos a multa da Comissão Europeia relativa ao Android. Sabemos que a Google não concorda totalmente com a decisão, mas também sabemos que o ecossistema vai de facto mudar, com o licenciamento de aplicações da Google. Pode dizer-nos mais sobre como é que isto vai funcionar? Porque é uma grande mudança, a Google começar a cobrar por algo que sempre foi gratuito.
A Google está na Europa a longo termo. Temos uma equipa portuguesa, uma espanhola, temos mais de 14 mil empregados na Europa, a maior parte são europeus e estão focados em ajudar a Europa a tirar partido das oportunidades digitais.
É importante para nós respeitar a Comissão Europeia, estivemos em contacto vários anos para responder às suas questões e para saber como melhorar e tivemos de seguir as regras que eles definem.
No caso do Android, a Comissão gosta do facto de o Android ter aumentado a escolha e ter baixado o custo dos dispositivos para milhões de consumidores. Tens milhares de dispositivos diferentes, de centenas de fabricantes, e um programador em Portugal pode construir uma app que pode ser usada por pessoas em muitos dispositivos. Este é um benefício fantástico.
Aquilo no qual a Comissão Europeia queria ver uma mudança era no modelo de financiamento do Android e foi isso que tivemos de fazer para cumprir. O que muda são algumas coisas: antes se fosses um fabricante de um dispositivo Android, podias escolher fabricar um dispositivo que estivesse alinhado com o ecossistema Android que operamos ou podias costumizar por completo. Se fizesses um, não podias fazer o outro. Vou fazer um Android que funciona com todas as outras coisas Google ou vou costumizar à minha maneira. Foi-nos pedido que permitíssemos que os fabricantes pudessem fazer os dois. Significa que os fabricantes agora têm esta opção de escolha.
Em segundo lugar, relativamente à suite de aplicações que disponibilizamos no Android, há agora mais opções de escolha para os fabricantes sobre como eles trabalham com diferentes aplicações da Google. Estamos a trabalhar arduamente para termos tudo o que é necessário pronto para que isso funcione em escala para os fabricantes.
Fizemos o que era necessário para cumprir com a decisão da Comissão Europeia, queremos que o Android continue a disponibilizar aos consumidores boas opções e bons preços, disponibilizar aos fabricantes mais opções do que nunca.
É a minha visão de como precisamos de trabalhar na Europa, precisamos de respeitar o facto de que a Europa querer definir regras, a Europa está a lutar com um grande número de escolhas, queremos mostrar o nosso lado da história, mas em última instância temos de cumprir com as decisões que a Comissão definiu.
Tem receio que o custo extra que o Android vai representar para os fabricantes seja suportado pelos consumidores, no preço final, e não pelos fabricantes? É algo que pode prejudicar os utilizadores e isso não é bom.
Acreditamos que o que estávamos a fazer antes era bom para a escolha, para a competição e para a inovação. O facto de haver tantos fabricantes e tantos dispositivos sugere que esse era o caso. E foi por isso que recorremos, dissemos que não estávamos de acordo com a decisão. Contudo, temos de cumprir com a decisão e é isso que estamos a fazer.
Li uma notícia da publicação The Verge que dizia que haveria preços diferentes das aplicações Google para diferentes países. Isso é verdade?
Não sei o que leste, não vou comentar.
Falei com um especialista da consultora IDC que dizia que esta grande mudança no Android pode significar que alguns fabricantes de smartphone vão simplesmente desaparecer, porque margens de lucro na casa dos cêntimos já são importantes para eles.
Espero mesmo que isso não aconteça. O Android tem sido sempre gratuito: foi gratuito antes e é gratuito agora. Qualquer fabricante pode usar o Android como o seu sistema operativo. Comprometemo-nos a continuar a melhorar o Android e a torná-lo o melhor possível à medida que inovamos. Isto ainda é verdade. Mas é verdade que para algumas aplicações agora temos de cobrar uma licença. Faz parte da decisão da Comissão Europeia e foi isso que fizemos.
Acredita que alguns serviços da Google vão perder utilizadores na Europa por causa desta mudança?
Não sei. Temos a sorte de os nossos serviços, como o motor de busca, o YouTube, serem muito, muito populares. As pessoas parecem valorizá-los e espero que as pessoas continuem a encontrá-los. Mas é verdade que esses serviços têm de competir com uma grande variedade de outros serviços e inovações. O que temos de fazer é garantir que eles são tão bons quanto possível e continuar a melhorá-los.
Uma das coisas boas da internet é que a competição está apenas a um clique de distância e temos de trabalhar tanto quanto todos os outros o fazem.
Diria que a forma como o ecossistema Android foi construído não prejudicou qualquer empresa na Europa? É que conheço pelo menos uma empresa portuguesa, a Aptoide, que dirá que a Google prejudicou-os.
Eles são um dos queixosos no caso do Android e é claramente um caso no qual as pessoas queixaram-se do modelo do Android. A minha visão é que o Android criou uma escolha incrível para os consumidores, entregou-lhes smartphones de qualidade a preços baixos e em todos os níveis de preço.
Deu aos programadores de aplicações e aos fabricantes na Europa a hipótese de construírem produtos que funcionam para centenas de milhares de pessoas e, portanto, criámos valor para o consumidor, para os fabricantes, para o programador.
Um pequeno número de pessoas discordou e a Comissão Europeia decidiu que devíamos fazer algumas mudanças e foi isso que fizemos.
Outro elemento que vai colocar pressão na Google é a nova legislação para os direitos de autor na qual o Parlamento Europeu está a trabalhar. Especialmente os filtros de upload [Artigo 13]. É fazível?
A diretiva dos direitos de autor é bem intencionada e é importante que continuemos a proteger os direitos dos autores. Deves poder proteger os teus direitos e teres a oportunidade de fazeres dinheiro dos direitos de autor.
Relativamente ao Artigo 13, que penso que é a esse que te referes, hoje se pensares no YouTube, se tiveres os direitos sobre um conteúdo, podes dizer ao YouTube ‘esta é a minha música, encontra-me todas as cópias da minha música que existem no YouTube e quero depois decidir se quero retirá-los ou deixá-los e optar por uma monetização partilhada‘.
Construímos esta ferramenta chamada Content ID que te permite fazer isso. Gastámos mais de 100 milhões no Content ID. Atualmente, entre 9 a 10 mil organizações usam esta ferramenta e 90% acabam por deixar o seu conteúdo no YouTube.
O Artigo 13, na sua forma mais extrema, significaria que nós seríamos responsáveis, a partir do momento em que alguém carregasse um vídeo, por policiar os direitos de autor. A razão pela qual isso não é possível, é que não há sítio onde possas ir para descobrir quem é o detentor dos direitos de tudo.
E estamos a falar de conteúdo gerado pelos utilizadores, não há um histórico relativamente a isso.
Se carregares um vídeo hoje e em segundo plano houver uma música a tocar, o YouTube vai dizer ‘tens esta música aqui, se não tens os direitos, tens de mudar a música‘. É assim que protegemos os direitos de autor atualmente. Mas segundo o Artigo 13, da maneira como está formulado, não poderíamos carregar esse vídeo se não conseguíssemos determinar de quem eram esses direitos.
As consequências não intencionais do Artigo 13, como está atualmente feito pelo Parlamento Europeu, significariam que quem tiver conteúdos dos utilizadores carregados para as suas plataformas, seria responsável por esses conteúdos a partir do momento do upload. Isso significa que não conseguirias operar as plataformas tal como elas são atualmente e pensamos que isso deixa em perigo as vidas e as oportunidades de milhões de criadores. E obviamente mudaria a natureza de plataformas populares como o YouTube, mas também plataformas de publishers mais pequenos, assim como a oportunidade de empreendedores, aqui em Portugal e na Europa, de construir novas coisas.
Há uma oportunidade para os políticos de acertarem nesta questão – o intuito de proteger os direitos de autor estar bem fundamentado sem as consequências indesejadas de tornar algumas destas plataformas inoperáveis.
Se esta legislação avançar, a internet vai ficar um sítio mais pobre?
Sim, é por isso que nós e outros temos argumentado para garantir que o intuito dos Artigo 13 e Artigo 11 é apoiado por uma elaboração inteligente que vai funcionar tanto para os autores como para os consumidores e as pessoas que gostam das novas tecnologias.
Os filtros de upload terão de ser aplicados por máquinas, por causa da quantidade de conteúdo que é carregado. Mas as máquinas falharam, ainda falham e provavelmente vão continuar a falhar. Isto é algo que o preocupa?
É exatamente como disse: se um filtro de upload for obrigatório para perceber quem detém quais direitos para tomar uma decisão, não há um repositório global onde possas ir e dizer ‘quem é que detém os direitos de autor disto‘. Na música é muito complicado: é o músico, é o compositor, é a editora, é a sociedade de direitos de autor representante? Este é apenas um exemplo.
Por isso é que o sistema atual funciona bem: se fores o autor, podes notificar e dizer que é teu e depois tens controlo sobre o conteúdo. Penso que esta é uma forma mais sensata de proteger os direitos dos autores.
E quanto ao imposto dos links, o Artigo 11?
Mais uma vez, a intenção é boa. A intenção é tentar ajudar conteúdo jornalístico de qualidade a prosperar online. Como as coisas funcionam atualmente, se tomares o exemplo da Google nesta área com o Google News, se pesquisares no Google ou no Google News sobre uma história, vamos enviar-te para uma de oitenta mil fontes verificadas de notícias.
Sabemos que és quem dizes ser, que dás emprego a jornalistas, temos uma grande variedade de fontes. Dez mil milhões de vezes por mês, alguém pesquisa uma notícia no Google e é encaminhado para uma destas publicações. É uma grande fonte de tráfego para as publicações. O valor destes cliques está avaliado entre 4 a 8 cêntimos por clique, por causa da oportunidade de mostrar anúncios para aumentar as subscrições e por aí fora.
Como está atualmente elaborado pelo Parlamento Europeu, o Artigo 11 arrisca tornar isto impossível de operar. A melhor analogia é com Espanha, em que algo semelhante foi colocado na legislação e forçou os agregadores a fecharem as suas plataformas, forçaram a encerrar o Google News.
Atualmente, o Google News não tem qualquer publicidade. O Google News é uma forma de ajudar as pessoas a encontrarem conteúdos jornalísticos de qualidade todos os dias. Se nos pedirem para pagar por termos um trecho de informação de todas as publicações, não podemos operar, porque não fazemos dinheiro – e até nos vai sair caro gerar esse tráfego que é valioso para muitas publicações.
Não tirem a oportunidade às publicações de decidirem como querem funcionar e não tirem a oportunidade às pessoas de criarem links na web, por forma a aumentar o tráfego e o interesse.
Tim Berners-Lee, o fundador da web esteve aqui em Lisboa e uma coisa com a qual está preocupado é com a questão de os links serem a fundação de como a web funciona. O Artigo 11, descrito como o imposto dos links, mina estes fundamentos.
O intuito de apoiar o jornalismo original é algo que apoiamos e, em todo o mundo, o Google faz mais do que ninguém para ajudar o jornalismo de qualidade, como os cliques que enviamos do Google News. Pagámos 30 mil milhões de euros no último ano aos parceiros do AdSense, a pessoas que mostram anúncios nas suas plataformas, muitos do quais publicações, para os ajudar a fazerem dinheiro.
Então parece que só existem duas opções: ou fecham o Google News ou vão ter de redesenhar por completo a forma como o Google News funciona.
Penso que há uma oportunidade para o Artigo 11 ser melhor redigido, por forma a que as publicações tenham escolha e possam continuar a ter trechos mostrados em serviços como o Google News sem que seja obrigatório pagar-lhes, porque reconhecem o valor que é fazer parte desse serviço.
Mas se não houver uma mudança na proposta, existe a possibilidade de o Google News acabar na Europa?
Não quero especular sobre isso. Existe um caminho longo entre onde estamos atualmente e a redação final da lei. O que quero fazer é encorajar as pessoas a olharem para a forma como o artigo é redigido, para que não vejamos consequências indesejadas, como as que descrevi.
A desinformação e o discurso de ódio têm sido problemas grandes na web, sobretudo em 2017. Em 2018 tem sido mais calmo, mas ainda vemos alguns casos relativos a estes temas. O que é que a Google está a fazer na Europa, sabendo que não há uma solução única e eficaz?
A desinformação, ou o que as pessoas descrevem como fake news, é algo que a Google tem combatido desde o início. Chamávamos-lhe spam da web nos primórdios, alguém que fingia ser algo que não é. Passámos estes 20 anos focados em lutar contra isto.
O que vimos recentemente com o fenómeno das fake news é que alguém pode montar uma história, fingindo ser uma fonte de notícias, e essa história, sobretudo nas redes sociais, pode ganhar grandes audiências de forma rápida.
Duas coisas que a Google está a tentar fazer: uma, tentámos ajudar os conteúdos de qualidade prosperar e já referi como o Google News e o Google Search enviam grandes volumes de tráfego para publicações de qualidade. Também, nos últimos anos, investimos no apoio a empresas independentes de verificação de factos, mudámos o algoritmo para favorecer conteúdo de maior qualidade.
Há muito que temos tentado fazer para ajudar o conteúdo de qualidade a ter uma audiência. Também referi os milhões que pagámos às publicações daquilo que fazem online.
Porque estão as pessoas a criar fake news? A resposta é: estão a tentar fazer dinheiro. Precisamos de garantir que não estamos a ajudá-los a fazer dinheiro. Pagámos milhares de milhões todos os anos aos donos de websites e aumentamos a fasquia na deteção da deturpação de factos. No ano passado removemos algo como 300 mil sites do programa AdSense. É muito difícil fazeres parte deste programa e a deturpação de factos é uma das coisas que estamos a policiar de forma muito mais dura.
Ajudamos o conteúdo de qualidade a prosperar e removemos os incentivos para derrubar os maus da fita.
Referiu o Tim Berners-Lee há pouco. Ele apresentou um novo contrato para uma web melhor e mais segura durante a Web Summit em Lisboa. Enquanto representante da Google, sente-se culpado de alguma forma por termos chegado a um ponto em que o ‘pai da web’ tem de pedir este compromisso?
Pessoalmente apoio o que o Tim Berners-Lee disse e a Google financiou a World Wide Web Foundation em um milhão de euros para apoiar o contrato, que subscrevemos. Penso que é muito importante e de todas as tecnológicas que conheces, a Google é a empresa que nasceu de uma web aberta.
A pesquisa está na nossa génese e ainda está, queremos ajudar-te a encontrar conteúdo na web aberta. Os nossos valores estão muito alinhados com isso. A web é construída para todos e a maioria das pessoas que conhecemos são boas pessoas que fazem coisas boas e são responsáveis.
Mas há agentes maus à solta. O que nós e outros temos a responsabilidade de fazer é parar os maus agentes de destruírem o que há de bom na web e este contrato é sobre isso. No caso da Google, as pessoas que deturpam, fazem spam ou usam as plataformas para objetivos para as quais não foram destinadas, precisamos de encontrar formas de impedi-los de fazer isso.
Mas acredita que a Google contribuiu, de alguma forma, para estas críticas, em questões como a privacidade?
O que a Google tenta fazer é tornar mais fácil o uso do mundo digital, tornar mais fácil encontrar conteúdos, tornar mais fácil partilhar vídeos. E se pegares no exemplo do YouTube nos últimos anos, temos aumentado a fasquia das nossas políticas para remover conteúdos que são violentos, ofensivos e extremistas. É um lugar onde tivemos de melhorar a forma como trabalhávamos para proteger o utilizador e para tentar fazer com que a internet funcione como é suposto.
Isto é um esforço contínuo que todos precisamos de fazer, para tentar garantir que a web continua a funcionar para todos, à medida que os próximos três mil milhões de pessoas ficam online.
* Esta é a versão completa da entrevista a Matt Brittin, da Google. Uma versão focada nos temas centrais está disponível na edição de novembro de 2018 da revista Insider