“Os jovens estão aborrecidos e estão a hackear o que veem. Mas o pior é o phishing”

Imagem: Pixabay

Em tempos de pandemia, com mais jovens em casa, ataques cibernéticos sobem 70%, mas são os emails falsos que preocupam mais o CTO da Cloudflare que vive em Lisboa, onde a gigante tecnológica vai manter os investimentos e contratações (200 pessoas até 2021).

aqui falámos ontem da Cloudflareda sua importância na internet global – fornecendo serviços de performance e segurança para sites e apps para 26 milhões de propriedades da internet – dos dados de uso da internet dos portugueses nesta altura de pandemia. Desta vez, aproveitando a conversa com o CTO da empresa, o inglês John Graham-Cumming, focamo-nos na questão de segurança e qualidade de internet, bem como planos para Portugal.

O engenheiro de software desde o verão passado que vive em Lisboa, onde coordena um dos centros técnicos e de desenvolvimento da empresa que desempenha um papel de “intermediário entre um site e o visitante, melhorando a performance e rapidez e filtrando pedidos suspeitos”.

John Graham-Cumming admite-nos que a maior tendência relacionada com o uso de internet nesta altura de isolamento pela pandemia e que deve causar maior preocupação é que há bem mais ataques de phishing (golpes usurpando identidades) agora. “Por e-mail ou SMS tentam enganar as pessoas a dar a sua informação bancária ou o seu username e password” ou carregando num link para o fazer. “Passa muito pela psicologia humana, onde nos tentam enganar”.

O engenheiro admite não ser surpreendente que “pessoas más usem esta situação de stress e incerteza para tentar ainda mais enganar, daí que o phishing tenha subido muito”.

Os ataques a sites também subiram, em alguns casos específicos uns impressionantes 70%. “No entanto achamos que isto é menos malicioso e eficaz do que a situação com o phishing”, admite. “Todos os anos, vemos os ataques subirem por altura das férias da Páscoa porque os jovens alunos têm mais tempo livre e agora isso tem subido porque os jovens estão aborrecidos e estão a hackear sites e o que veem à frente”, adianta.

“Os jovens estão aborrecidos e estão a hackear tudo o que veem. Mas o phishing é pior

Como conselho para português (e utilizador de internet) ver, o CTO da Cloudflare diz que além das típicas sugestões: “fiquem atentos a truques para vos enganar na internet, não coloquem os vossos dados a locais que não conhecem bem”. Numa altura de isolamento e maior uso de internet, “é bem provável que comecem a aderir a algo novo nesta altura, mas criem uma password única para isso, para não pôr toda a vossa segurança em risco”.

Nesse domínio, a Cloudflare também lançou já em abrir novas ferramentas a pensar nas famílias (e em internet mais rápida e segura). É uma versão familiar do seu serviço DNS chamado 1.1.1.1 for Families, que pode ser usado para bloquear malware e impedir que crianças vejam conteúdo adulto online. Há ainda também uma app gratuita focada numa internet mais segura, chamada WARP, ainda em fase beta e só para aparelhos móveis.

John Graham-Cumming da Cloudflare, entrevistado no segundo dia da Web Summit 2019. (Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)
John Graham-Cumming da Cloudflare, entrevistado no segundo dia da Web Summit 2019.
(Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

O negócio da internet vs. os outros

Já no que diz respeito ao negócio da internet Graham-Cumming – que é também autor e é conhecido no Reino Unido por ter iniciado uma petição bem sucedida junto do governo britânico para que emitisse um pedido de desculpa pela perseguição de um dos precursores da computação, Alan Turing -, explica-nos como as tecnológicas, incluindo a Cloudflare, estão a beneficiar com os tempos de pandemia. “Beneficiamos ao não sermos prejudicados como os outros”, admitindo que os negócios focados no online “estão a crescer muito, como seria de esperar”.

“É triste ver os negócios fechados, os restaurantes aqui ao pé de casa em Lisboa sem ninguém, é preocupante perceber que muitos podem não conseguir abrir”. Certo é que o distanciamento está a exponenciar os negócios online, “porque as nossas vidas estão a ficar ainda mais online devido à situação”. E se isso traz mais empresas para as revolução digital, o facto de ser feito desta forma também tem consequências “imprevisíveis e perigosas”. “Penso muito nessas pessoas em dificuldade e nós na Cloudflare só nos podemos dar por gratos por ter um emprego estável onde fazemos algo útil para todos, ajudando no acesso à internet”, admite o gestor e autor de livros como The Geek Atlas – um livro de viagem – ou The GNU Make Book – um manual técnico para fazer software.

A internet em Portugal é “muito boa”

“Portugal investiu há uns anos para que a internet funcione bem e posso dizer que o país está bem preparado de um ponto de vista genérico, pelo menos nas zonas urbanas”. O engenheiro de software admite que usa em Lisboa fibra de 1Gb, “o que seria impossível de conseguir em Londres”. “Acho que as redes aqui são estáveis e de qualidade e não devem estar preocupados com acesso à internet em Portugal”.

Estive envolvido em discussões europeias entre governos, olhar para performance na Europa e há regiões noutros países (não em Portugal) e operaradores mais pequenos com dificuldades na forma como criaram a sua rede e a desenvolveram. Foi por isso que vimos serviços como a Netflix ou a Amazon a abrandar o seu streaming, para ajudar esses operadores, mas aqui em Portugal não há esse problema. Estamos numa posição muito estável.

Investimento em Lisboa continua: 200 até 2021

Cloudflare abriu um dos seus principais centros técnicos em Lisboa no verão passado. Começaram com 10 pessoas num espaço cowork. Agora já são 19 e “um terço das pessoas foram contratadas localmente, já em Portugal”. Estão a contratar mais localmente nesta altura mantendo o objetivo de ter 80 pessoas este ano e 200 em 2021”. “Todos os departamentos que temos na Cloudflare estão a contratar em Lisboa e as contratações mais recentes foram em finanças”, admite.

Curiosamente, mudaram de escritório a 31 de março, para instalações maiores no Marquês do Pombal para acomodar as próximas contratações. “Mas como estamos todos em teletrabalho só o material é que se mudou”.

Uso de internet sobe 30% em Portugal. Deixar de fumar e sites infantis em destaque

Como tudo começou?

A empresa foi criada em 2009, quando o atual CEO Matthew Prince e Lee Holloway, trabalhavam em conjunto num sistema que rastreava a forma como spammers reuniam endereços de e-mail (apelidado de ‘Projeto Honey Pot‘). Juntaram-se a Michelle Zatlyn na Harvard Business School, onde Prince estudou e expandiram o conceito: criaram um novo nome e venceram um concurso de Plano de Negócios da Harvard Business SchoolO serviço foi lançado na sua versão beta em junho de 2010.

Matthew Price dedica algum tempo a explicar o que a Cloudflare faz e porque o seu trabalho envolve tantos sites e vai além do chamado serviço como CDN (Content Delivery Network, ou rede de entrega ou distribuição de conteúdo, totalmente ligado à performance e segurança dos sites), onde não falta explicação em gráficos.

Cloudflare tem defendido publicamente a chamada neutralidade da internet – a ideia base de que as redes não devem discriminar o conteúdo que passa por elas – e criou a Aliança Bandwidth que já inclui empresas como IBM Cloud e Microsoft Azure e, mais recentemente, empresas chinesas como o Alibaba Cloud – com o objetivo de potenciar uma internet mais rápida, segura e fiável com alterações técnicas cirúrgicas.

Pode ouvir a seguir uma entrevista áudio que fizemos a John Graham-Cumming na Web Summit em novembro passado onde se aborda desde acusações que a Cloudflare chegou a ouvir por ter permitido (e depois deixou de o fazer) portais polémicos com o 4Chan on 8Chan, mas também sobre o futuro da internet, até a questões mais filosóficas do ser humano na era virtual: